Caminhos para a sustentabilidade

Melhoria nos hábitos de consumo e práticas de produção e comercialização mais eficientes são fundamentais para fazer mais com menos no campo

Texto e fotos: Paulo Palma Beraldo

A cada 10 quilos de alimentos produzidos no mundo, três vão para o lixo. Os números são da Organização das Nações Unidas (ONU). Enquanto isso, 795 milhões de pessoas – ou quatro vezes a população do Brasil – passam fome diariamente em diversas regiões do planeta. A importância desses números cresce quando as perspectivas apontam para um mundo com nove bilhões de habitantes em 2050 – dois bilhões a mais que a quantia atual.

Quando se fala no aumento populacional ena produção de alimentos, o termo mais usado é ‘segurança alimentar’. O professor do Instituto de Economia da Unicamp, Walter Belik, pesquisa o tema há pelo menos 20 anos e explica que ele engloba quatro dimensões, indo além do conceito de fome ou de subnutrição.

A primeira é a disponibilidade, relacionada à quantidade de alimentos. Depois, vem o acesso, que é a possibilidade das pessoas terem esses alimentos.  Em países conflituosos ou em períodos de guerra, essa dimensão fica abalada. O terceiro aspecto é a qualidade do alimento. E o quarto é a estabilidade: deve haver oferta de alimentos permanente.

 Em outras palavras: existe alimento, em alguma parte do planeta, mas ele não chega até 795 milhões de pessoas, seja por falta de renda ou de acesso. “Precisamos de políticas globais para aumentar a produção e o acesso nas regiões onde há fome crônica. Certas populações ficam isoladas e não têm acesso físico aos alimentos”, diz Walter Belik.

Nos últimos 10 anos, o Brasil reduziu pela metade a parcela da população que sofre com a fome. Hoje em dia, menos de 5% da população brasileira sofrem com a insegurança alimentar, algo em torno de sete milhões de pessoas. Agora o desafio é outro. “Precisamos de uma política voltada para a qualidade. As pessoas têm acesso ao alimento. Mas que alimento? Diminuímos a subnutrição, mas aumentou a obesidade”, questiona Belik.
Desperdício de recursos naturais
Segundo Belik, antes de aumentar a produção é necessário rever alguns hábitos alimentares. Produtos como carne, milho e soja demandam muita água para serem produzidos, explica o pesquisador. “Não é só aumentar a produção. Temos que racionalizá-la. A crise hídrica em São Paulo demonstra isso. Cada produto desperdiçado é um pouco de água que perdemos”, diz o pesquisador da Unicamp.


Antônio Gomes Soares, pesquisador da área de frutas e hortaliças da Embrapa Agroindústria de Alimentos, defende a redução das perdas como forma de aumentar a oferta de produtos e a conservação dos recursos ambientais. “O que é gasto para produzir no campo, colher, transportar e comercializar produtos que sequer chegam à mesa é muito alto. Estamos desperdiçando dinheiro, tempo e recursos naturais. E jogando no lixo produtos que trazem beneficio à saúde”, argumenta.

Vale diferenciar os conceitos de desperdício e perda: O primeiro diz respeito à falta de planejamento ou consciência do consumidor. “Você vai ao mercado, compra algo fora do prazo de validade, que não vai consumir. Ou acaba comprando demais e descarta”, explica Walter Belik. A perda refere-se à comercialização, distribuição e transporte, sendo involuntária. “Armazenamento e manuseio inadequado dos produtos, falta de embalagens seguras, variações de preços e quedas no transporte são algumas causas”. A comercialização de produtos a granel, por exemplo, que são aqueles sem embalagem, colocados uns por cima dos outros, contribui para as perdas.

O transporte também não ajuda. Segundo Belik, há produções que poderiam ser feitas regionalmente. “Acredito que no futuro haverá núcleos de produção que possam abastecer mercados locais. Mas isso não se faz espontaneamente. É preciso ter políticas de apoio à comercialização local, centrais de compras, mecanismos de distribuição”.

O não uso da refrigeração é apontado como um problema grave, principalmente em um país de dimensões continentais como o Brasil. “Costumam dizer que usar a cadeia de frio é caro. Mas não percebem que a quantidade de produto jogada fora é tão grande que faz com que o não uso da refrigeração encareça o produto”, diz Antônio Soares.

A cadeia de comercialização se esquiva do problema, porque repassa o prejuízo. “Quem perde é o consumidor que paga muito mais caro e o produtor que muitas vezes não recebe pelo que produziu”, explica. Os consumidores também têm sua culpa, argumenta Soares, lembrando que muitos apertam demais os produtos nos mercados, chegando a estragá-los. “Muitas vezes antes de comprar um quiabo, a pessoa quebra a ponta dele para ver se está bom. Outra pessoa vem e vê esse quiabo com a ponta quebrada. Não vai querer comprar”.

Ainda sobre os mercados, Soares explica que há descuido com os produtos. “Muitas vezes jogam um por cima do outro. Despejam a caixa inteira na gôndola, as frutas caem no chão. Isso demonstra uma ineficiência geral”. Ou ainda os casos em que há produto contaminado embalado em meio a outros saudáveis. “Quando você vai ver a embalagem, ele está com fungo. Aquele produto contaminou os outros”.



As caixas de madeira, usadas maioria dos produtos, são citadas pelo pesquisador da Embrapa. Segundo ele, esse material perfura e “machuca” o produto. “É preciso desenvolver embalagens especificas e realizar treinamento do pessoal envolvido na manipulação e movimentação das cargas e transporte. Não podemos tratar a fruta como se fosse tijolo”, resume Antônio Soares.

No campo
Um método vem ganhando destaque no cenário nacional quando se fala da racionalidade dos recursos naturais: a irrigação por gotejamento. Surgida nos desertos de Israel, essa irrigação exige economia e eficiência: a aplicação de água ocorre direto nas raízes das plantas, atingido uma eficiência superior a 95%.

O custo de implantação da irrigação por gotejamento é maior, mas se dilui com o aumento da produtividade, na redução de mão de obra e no custo da energia que o gotejamento proporciona, garante Daniel Pedroso, diretor da Netafim, empresa que desenvolveu a tecnologia.

A estimativa de crescimento da irrigação no Brasil é “muito positiva, principalmente pelo aumento na procura de métodos mais eficientes de produção”, diz ele. O Brasil tem aproximadamente seis milhões de hectares irrigados, com possibilidade de chegar a 30 milhões.

No Paraná, a Campanha Plante Seu Futuro reduziu a aplicação de agrotóxicos pela metade em 152 propriedades de soja. A campanha, organizada pela Secretaria da Agricultura do Paraná, Embrapa Soja, Emater/PR e outras instituições, teve como foco a divulgação de informações e capacitação de produtores sobre temas como o monitoramento da lavoura e uso racional de insumos, buscando aplicar os agroquímicos somente na hora mais apropriada do cultivo, reduzindo o uso de agrotóxicos sem prejudicar a produção.

Eficiência
Com as mudanças climáticas e a escassez de recursos naturais, é preciso aproveitar ao máximo cada produto. Frutas como o côco verde e o caju eram pouco exploradas no passado. A casca do côco, que representa 85% de seu peso, era descartada e gerava problemas ambientais.

Do caju, o que interessava era a castanha. A parte comestível raramente chegava aos mercados, pois é bastante perecível. Hoje, a casca do côco serve para fazer vasos, tapetes e até acessórios automotivos. E o caju, com tecnologias de pós-colheita e embalagens mais resistentes, se tornou fruto de mesa em mercados distantes das plantações.

Essas duas mudanças ocorreram, em grande medida, graças a pesquisas da Embrapa Agroindústria Tropical, de Fortaleza-CE. “A maioria das cadeias produtivas de alimentos pode ser explorada com maior eficiência. A agroindústria constitui uma grande alternativa para a pequena e média produção local. Agroindústrias que processam matérias primas para fornecer às grandes empresas ou pequenos empreendimentos que cativam consumidores locais são exemplos”, afirma Lucas Leite, chefe-geral da Embrapa Agroindústria Tropical. 

Outras áreas com boas oportunidades são a de alimentos funcionais, cosméticos, corantes naturais e de medicamentos com princípios ativos naturais, cita Lucas Leite.

Em Curitiba-PR, cidade com 1,7 milhão de habitantes, um projeto encontrou uma forma de incentivar a produção local e aproveitar os produtos excedentes das safras da região Metropolitana. É o Câmbio Verde, que troca verduras e frutas por produtos recicláveis, como óleo de cozinha (vegetal ou animal). A cada quatro quilos de recicláveis, um quilo de alimento é dado. Dois litros de óleo também equivalem a 1 kg de alimento. No ano de 2013, foram recolhidas 3.109 toneladas de recicláveis com o programa, informa a secretaria do meio ambiente de Curitiba.

O Programa Câmbio Verde está em 100 pontos da capital paranaense. As trocas são quinzenais e os recursos para a compra dos alimentos vêm da secretaria, que os adquire de pequenos e médios produtores da Região Metropolitana da cidade.