Sucessão trigo-soja produz mais grãos

A combinação do trigo e da soja, para cultivo de inverno e verão, com semeadura nos períodos tradicionais, continua sendo a melhor opção para os produtores do sul do País. 

Foi o que concluiu pesquisa liderada pela Embrapa Trigo que estudou 24 estratégias de manejo na sucessão trigo-soja para reavaliar a viabilidade técnica e econômica desse sistema de produção.

Apesar de alguns depoimentos de técnicos e produtores sobre maior rendimento de grãos na soja semeada antecipadamente (em outubro), em detrimento da época tradicional em novembro, estudos conduzidos por pesquisadores da Embrapa e instituições parceiras mostraram que a semeadura antecipada não traz mais benefícios para os agricultores. 

"Fomos a campo, durante três safras [2012 a 2014], e verificamos que essa informação é mais exceção do que regra, ou seja, os resultados da pesquisa não confirmaram tais benefícios em todo o sul do Brasil", afirma o pesquisador Mércio Luiz Strieder.

Nos municípios do Rio Grande do Sul – Passo Fundo, Três de Maio e Vacaria – e do Paraná – Toledo e Guarapuava, os pesquisadores partiram das opções de manejo utilizadas pelos produtores. O objetivo foi reavaliar a sucessão trigo-soja devido às ameaças provocadas por mudanças no sistema de produção, principalmente pela antecipação da semeadura da soja. 
Também se observam a utilização de cultivares de soja superprecoces; a antecipação da semeadura do trigo; a antecipação da colheita do trigo, com uso de agroquímicos (dessecantes) para reduzir o ciclo da cultura; a opção por outros cultivos de cobertura de solo. A vantagem do sistema é que as duas culturas se ajustam perfeitamente na produção das estações de inverno e verão, otimizando área, insumos, mão de obra e infraestrutura.
Regionalmente, foram avaliadas 24 combinações de sistemas de produção de grãos, envolvendo estratégias de encaixe de cultivares e épocas de semeadura, utilizando comparações entre alternativas de sucessão trigo-soja e o sistema que elimina trigo ou cevada no inverno e produz somente soja com semeadura antecipada. 
Também foram avaliadas estratégias químicas ou mecânicas, possibilidades de ajustes no zoneamento agrícola, práticas de manejo específicas para as culturas de trigo e soja, monitoramento de pragas e doenças, além da viabilidade econômica das diferentes opções de manejo.
Entre as conclusões, foi apontado que nas regiões mais frias, representadas por estudos de Vacaria e Guarapuava, o rendimento de grãos da soja pode aumentar em 20% com a semeadura antecipada, mas essa estratégia inviabiliza a cultura de inverno, ou seja, a quantidade total de grãos produzida na área, durante o ano, é menor do que ao de área onde são utilizados os dois cultivos (trigo + soja). 

Nas regiões mais quentes, representadas pelo estudo conduzido em Três de Maio, antecipar a soja para outubro diminuiu em 18% o rendimento de grãos da soja, além de afetar negativamente o cultivo de inverno.

Rendimentos de grãos na sucessão
Nos ensaios conduzidos durante três anos em Passo Fundo, foram avaliadas seis cultivares de soja, três cultivares de trigo e uma cultivar de aveia-preta. Na média das três safras, a manutenção do trigo no sistema de produção e a semeadura da soja na época tradicional (primeira quinzena de novembro) incrementou o rendimento de grãos em 24%, quando comparado à soja antecipada semeada após aveia-preta dessecada.


Resultados similares foram obtidos na região noroeste do Rio Grande do Sul, que representa 43% da área de grãos produzidos no estado, com clima mais quente e menos acometido por geadas. Mesmo nesse ambiente, a antecipação da semeadura da soja após a aveia-preta dessecada diminuiu o rendimento de grãos em 18%. 
Segundo o professor da Sociedade Educacional Três de Maio (Setrem), Marcos Caraffa, esses dados de melhor desempenho da soja após o trigo motivam a manutenção da área de cultivo do cereal entre os anos, mesmo com eventuais frustrações de safras. "Ter uma cultura de produção de grãos no inverno, como o trigo, dinamiza a funcionalidade da propriedade agrícola, mantém jovens atuando na atividade e é essencial para movimentar a economia regional", avalia Caraffa.
Na região centro-sul do Paraná, a Fundação Agrária de Pesquisa Agropecuária (Fapa) desenvolveu estudos por dois anos, avaliando quatro estratégias no inverno: aveia-preta para semeadura antecipada da soja; trigo de ciclo tardio semeado na primeira quinzena de junho; cevada de ciclo médio semeada em meados de junho; trigo precoce semeado em meados de julho. 
No verão, foram utilizadas seis cultivares de soja de grupos de maturidades diferentes. De acordo com o pesquisador Juliano Luiz de Almeida, as duas safras foram marcadas por elevado potencial de rendimento de grãos e todos os sistemas avaliados registraram margem operacional positiva e retorno financeiro superior ao valor investido.
No inverno, a média de rendimento de grãos das culturas (cevada e trigo) foi de 5 t/ha em 2012 e chegou a 7,4 t/ha em 2013. No verão, a média de soja foi de 4,7 t/ha em 2012/2013 e de 4,6 t/ha em 2013/2014. A soja semeada antecipadamente em outubro, após aveia-preta, produziu 20% a mais do que a soja semeada pós-trigo e cevada. Porém, o pesquisador alerta que "a retirada do trigo ou da cevada do sistema de produção em lugar da aveia-preta deve ser considerada com cautela. 

Apesar de aumentar o rendimento de soja, diminui a quantidade total de grãos produzidos anualmente por unidade de área, o que afeta o retorno econômico da atividade agrícola, além de não originar matéria-prima para as cooperativas agroindustriais, como moinhos e maltaria, que movimentam um importante segmento econômico da região", avalia.

Mudanças no trigo
De acordo com o pesquisador João Leonardo Pires, o trigo pode ser penalizado pelo uso de novos componentes na sucessão trigo-soja. "Antecipar a semeadura do trigo visando atender à antecipação da semeadura da soja pode, em muitas regiões, fazer com que seu espigamento ocorra no período de incidência de geadas, as quais podem comprometer parcial ou totalmente a cultura", avalia Pires. 

Outra prática verificada nas lavouras e testada pela pesquisa é a antecipação forçada da maturação do trigo com a aplicação de dessecantes para reduzir o período de enchimento dos grãos. Percebeu-se que essa estratégia pode afetar negativamente o rendimento de grãos, além do risco de resultar em alimentos com resíduos de agroquímicos.


A produção de grãos na região Sul do País (especialmente no sul do PR, SC e RS) está centrada na soja (10 milhões de hectares) e no milho (4 milhões ha), no verão, e no trigo (2 milhões ha), no inverno. Outras culturas ocupam menor área, como o feijão no verão (630 mil ha), cevada (90 mil ha), canola (50 mil ha) e aveia de cobertura no inverno (sem registro de área). 
Considerando os números, estima-se que mais de cinco milhões de hectares ficam ociosos no inverno, muitas vezes em pousio, áreas essas que poderiam estar produzindo trigo ou outra cultura de inverno. 
Neste contexto, a sucessão trigo-soja é a principal alternativa econômica para os sistemas de produção de grãos no sul do País, gerando renda com a produção e comercialização de grãos no inverno e no verão, compartilhando a estrutura de máquinas e implementos, armazenagem e canais de comercialização. Além do Setrem e da Fapa, foram parceiros do projeto Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro Nordeste), Plantec, Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC/Toledo), Embrapa Soja e Embrapa Agropecuária Oeste.
Foto: João Leonardo/Embrapa