Porco magro

Uso de resíduos da fabricação de acerola na alimentação de suínos diminui teor de gordura da carne

Todo ano são processadas no Brasil 32 mil toneladas de acerola (Malpighia punicifolia) para a fabricação de suco, polpa e extrato. Desse total, sobram cerca de 6,5 mil toneladas de resíduo, composto por casca, sementes, restos de polpa e algumas folhas, que tem pouco aproveitamento. 


Segundo pesquisadores da Universidade Estadual Paulista (Unesp), esse material poderá ser usado, na forma de farelo, na alimentação de suínos, tornando a carne dos animais mais light, com menor teor de gorduras que contribuem para aumentar o colesterol de quem a consome. 

A acerola aumenta os níveis de ômega 3 na carne, substância que ajuda a prevenir doenças cardiovasculares. As conclusões são de um estudo desenvolvido pelo zootecnista Fabrício Rogerio Castelini no seu doutorado na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, do campus de Jaboticabal, da Unesp, sob orientação da professora Maria Cristina Thomaz.

O projeto de pesquisa tinha como principal objetivo a busca de alimentos alternativos, ricos em fibra, para serem fornecidos aos suínos durante a fase de terminação – quando seu peso vai de 70 a 130 quilos (kg). Nesse período o animal não pode consumir uma dieta muito energética porque o excesso resulta no acúmulo de gordura, o que prejudica a carne. 

“Normalmente, o fornecimento de alimentos ricos em fibra, no caso o farelo de acerola, faz os animais comerem apenas o necessário para encher seu estômago e saciar a fome”, explica Castelini. “Esse processo é chamado de restrição alimentar qualitativa.” Ele realizou dois experimentos para avaliar os resultados da inclusão do farelo de acerola na dieta dos suínos. 

Inicialmente, determinou-se a composição química e os valores nutricionais do ingrediente. Depois, procurou-se estimar o efeito da inclusão da acerola em diferentes teores – em 9%, 18% e 27% do total da dieta formada normalmente por milho e farelo de soja – sobre o desempenho, a digestibilidade das dietas e as características das carcaças. 

“Nesse experimento, também avaliamos a qualidade da carne, os pesos dos órgãos do sistema digestivo e os indicadores de retorno econômico”, afirma.

O resultado mais importante, segundo Castelini, foi a melhora qualitativa do lombo suíno em relação à composição dos ácidos graxos. O ácido graxo ômega 3, que possui ação preventiva contra problemas cardíacos, teve seus níveis aumentados em 21,74% nos animais que consumiram os maiores teores de farelo de acerola. 

Já os ácidos graxos saturados são considerados hipercolesterolêmicos, ou seja, aumentam o colesterol, dos quais os mais perigosos são o mirístico, o palmítico e o láurico. “Com a inclusão de 27% de farelo de acerola na dieta, observamos redução de 7,63% do primeiro e de 5,02% do segundo, e o láurico permaneceu no mesmo nível”, informa o pesquisador. 

“Esses ácidos estão relacionados com o desenvolvimento de mudanças degenerativas nas paredes das artérias e seu consumo em demasia pode provocar doenças cardiovasculares.”

Oportunidade de mercado
Em relação às outras variáveis analisadas, observou-se menor ganho de peso (-39,92%) nos animais alimentados com acerola, menor espessura média de toucinho (-37,13%) e redução da área de gordura nas carcaças (-39,84%)”, diz Castelini. 

Esses dados sugerem ganhos à saúde do consumidor, mas a redução do peso e do toucinho pode diminuir o lucro do produtor. Segundo o pesquisador da Unesp, em São Paulo os frigoríficos não possuem um programa de pagamento pela qualidade da carcaça. Por isso, como os animais alimentados com farelo de acerola pesam menos, o valor deles é menor. 

“No estado de São Paulo, o porco é abatido com 90 quilos; se fosse com 120 quilos, o ganho do produtor poderia ser maior com o animal light. Acreditamos que esse cenário possa ser revertido com a criação de um nicho de mercado que valorize a excelente qualidade das carcaças apresentadas pelos animais”, diz. 

Para o gerente comercial Renato Celso Cavichioli, do Frigorífico Suíno Leve, de São Carlos (SP), que abate 1.200 porcos por semana, animais com menores teores de gordura fariam sucesso no mercado brasileiro. “O consumidor procura hoje produtos mais light e um suíno com menos gordura por certo venderia bem”, diz Cavichioli. 

De acordo com ele, embora o melhoramento genético já tenha levado ao desenvolvimento de suínos mais magros, a carne de porco ainda sofre preconceito. O economista Júlio Eduardo Rohenkohl, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), no Rio Grande do Sul, especialista em suinocultura, também acredita em uma possível oportunidade de mercado. 

“Certamente existe espaço no Brasil e no mundo para carnes mais magras, com diminuição da gordura e aumento do ômega 3, por exemplo, desde que ela mantenha a suculência, a cor e a textura. Empresas no estrangeiro exploram variações qualitativas e satisfazem mercados específicos.” 

Para o economista, é possível segmentar o mercado da carne de porco in natura. Isso aconteceria com a garantia de procedência do produtor, a devida identificação de insumos utilizados, como a ração de acerola, e um selo na carne com a inscrição light ou porco magro no ponto final de venda. Outro aspecto, segundo Júlio, é verificar como fica o custo do animal com a adição da acerola e a diminuição de ingredientes como milho, soja e sorgo, por exemplo.

“Em relação à qualidade da carne, fizemos testes sensoriais e não detectamos diferença no sabor ou na maciez”, diz Castelini. As amostras de carne foram testadas por 100 pessoas, escolhidas aleatoriamente. “Em relação ao conteúdo nutricional e à qualidade da carne, podemos recomendar a inclusão do resíduo da fruta nas dietas de suínos em terminação, até o nível de 27% da ração.” 

Quanto ao valor da dieta dos suínos, o pesquisador aponta que, à época da pesquisa (2012), com o milho custando R$ 0,60 o quilo, o farelo de acerola, a R$ 0,10 o quilo, mostrou-se econômico. Castelini lembra, no entanto, que um eventual aumento na procura por resíduos de acerola pode mudar essa relação. 

“Acredito que as regiões mais propícias para esse tipo de alimentação dos suínos seriam o noroeste paulista e a região Nordeste brasileira, onde existem mais plantações de acerola. Mas isso vai depender do custo e do preço do frete.”

De acordo com Teresinha Marisa Bertol, pesquisadora da Embrapa Suínos e Aves, unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, localizada em Concórdia (SC), no Brasil há poucos grupos envolvidos em pesquisas com alimentação de suínos visando melhorias na qualidade da carne. 

“Na Embrapa estão sendo desenvolvidos experimentos com o intuito de elevar o conteúdo de ômega 3 na gordura associada à carne suína, com resultados positivos. Também estamos estudando o efeito de antioxidantes naturais via dieta, como, por exemplo, o bagaço de uva, com o objetivo de melhorar a qualidade da carne de suínos. Embora a carne produzida em larga escala, nos sistemas industriais, já seja de ótima qualidade nutricional, nosso objetivo é torná-la ainda mais saudável e atrativa.”

Foto: Fapesp/Divulgação