Especial: Desafios à vista

Logística, comércio internacional e adoção de tecnologias são vistos como desafios para o país se consolidar como a grande potência do agronegócio mundial

Texto e fotos: Paulo Palma Beraldo

Dois bilhões de pessoas. Nos próximos 35 anos, essa é a estimativa de crescimento da população mundial, segundo a Organização das Nações Unidas. Para alimentá-las, será preciso aumentar em até 70% a produção mundial de alimentos. 

Os países capazes de abastecer essa demanda serão Estados Unidos, Austrália, Ucrânia e Brasil. Mas, para que nosso país desponte, alguns desafios surgem. O uso de novas tecnologias, a redução das perdas e desperdícios e a preservação dos recursos naturais são alguns deles.

“Nossos principais problemas estão fora da porteira”. A opinião é do agrônomo Pedro Valentim Marques, professor da ESALQ/USP e coordenador do Programa de Educação Continuada em Economia e Gestão de Empresas – Pecege. Para ele, se o Brasil quiser ser a grande potência do agronegócio mundial, será preciso melhorar a questão tributária e dos transportes, além de investir mais no comércio internacional.

Pedro Marques acredita que o Brasil deveria comercializar produtos com maior valor agregado ao invés de exportar em sua maior parte commodities [mercadorias brutas], como grãos de soja e milho. “Precisamos de uma tributação que favoreça o beneficiamento do produto. Por exemplo: se o produtor exportar o grão de soja, o imposto é um; se exportar farelo ou óleo, ou seja, trabalhar mais o produto, o imposto é reduzido”, sugere.

O professor afirma ainda que o Brasil deve se impor mais no comércio mundial e dá exemplos de como isso pode ser feito: “Colocar pessoas nas embaixadas brasileiras para mostrar oportunidades de negócio do país e participar mais de feiras pode ajudar”. Para ele, bons exemplos no comércio internacional são o presunto da região de Parma, na Itália, os cafés da Colômbia e os vinhos do Chile.

O jornalista Ronaldo Luiz Araújo, secretário executivo da Sociedade Rural Brasileira (SRB), acrescenta que o Brasil precisa de uma estratégia mais forte e menos pontual no setor internacional, que envolva desde a segurança do produto até sua qualidade. 

“O Brasil é líder mundial em exportação de café. Mas não é reconhecido como o melhor café. Então, o que é ser líder? Vender mais produtos ou ser reconhecido como o melhor?”, questiona. Ronaldo cita que o café colombiano, por exemplo, aparece em filmes de Hollywood e patrocina campeonatos esportivos ao redor do mundo. “O resultado disso é o seu prestígio”, diz.

Nesse contexto, é importante ressaltar o trabalho da Agência Brasileira de Promoção das Exportações e Investimentos (Apex-Brasil), que atua para facilitar a entrada de empresas brasileiras no mercado internacional e atrair novos investidores para o país, por meio da participação em feiras no exterior, missões em diversos países e eventos como rodadas de negócios. 

Na última edição da Agrishow, a maior feira de agronegócio da América Latina, realizada em Ribeirão Preto-SP, a Apex-Brasil trouxe compradores internacionais de países como Bélgica, Tailândia, Argélia, Egito, Estados Unidos, Canadá entre outros.

Uma safra a cada cinco anos
Durante muito tempo, o Brasil teve uma política de apoio ao transporte por rodovias. “Governar é abrir estradas”, dizia o presidente Washington Luís nos anos 1930. Já Juscelino Kubistchek, nos anos 1950, abriu as portas do país para as indústrias automobilísticas. 

“Foi uma opção de política industrial que impacta diretamente nossa realidade atual”, diz Cristiano Palavro, consultor técnico do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar) de Goiás. Por ferrovia, o transporte pode custar até 40% menos aos produtores. Por hidrovias, a redução dos gastos chega a 60% em comparação com as rodovias, afirma Palavro.

Na região central dos Estados Unidos, o custo para transporte de uma tonelada de carga é de 15 dólares. Aqui, a média é de 80 dólares. Uma pesquisa da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais aponta que os produtores brasileiros recebem em média 18% a menos que os americanos em função do custo de transporte. “A cada cinco safras, o produtor brasileiro desembolsa com logística uma safra inteira, na comparação com o custo americano”, diz o consultor do Senar.

Para a situação melhorar, é importante que as obras de portos que ligam as áreas produtoras do Centro-Oeste com os portos de Norte e Nordeste sejam concluídas. Isso vai “desafogar” os portos do Sul/Sudeste do país e diminuir os custos, comenta Cristiano Palavro.

Foto: Paulo Palma Beraldo/De Olho no Campo
Hidrovias
O Brasil tem 42 mil quilômetros de rios navegáveis, mas uma pequena parte dessa extensão é utilizada para o transporte de cargas. Para Pedro Arantes, também consultor técnico do Senar Goiás, o governo precisa definir esse tema como prioritário. 

“São necessários investimentos pesados em portos fluviais, correção dos leitos de rios, sinalização adequada, construção de eclusas, adaptação de canais de ligação de rios”, enumera. O consultor reconhece que algo já vem sendo feito, como a última Lei dos Portos, que flexibilizou as regras para investimentos do setor privado.

Pedro Arantes destaca ainda a necessidade de adequação das leis ambientais para exploração dessa atividade.  “Alguns rios importantes cruzam terras indígenas e reservas ambientais. Isso atrapalha o processo de expansão, já que o tema é polêmico e tem regulamentação frágil”, explica.

Agricultura familiar
Outro ponto necessário para o crescimento da oferta de alimentos no país é o fortalecimento dos pequenos e médios agricultores. O Brasil tem 5,2 milhões de propriedades rurais. Dessas, 70% são de agricultores familiares, que produzem sete em cada dez quilos de alimentos consumidos no país. 

Desde arroz, feijão, hortaliças, leite, milho, frutas e até vinhos. São cerca de 4,1 milhões de agricultores familiares, somados a outros 500 mil médios produtores. Apesar dos números, esses agricultores encontram dificuldades para melhorar sua renda, principalmente devido à falta de acesso a tecnologias.

Pedro Marques, professor da ESALQ/USP, trabalhou 12 anos na unidade de suínos e aves da Embrapa, em Concórdia-SC. Lá, constatou a força dos pequenos produtores e diz que a agricultura familiar e o agronegócio não devem ser vistos como coisas diferentes. “Tudo é agricultura, mas em estágios diferentes de desenvolvimento. Em Santa Catarina, são áreas pequenas, mas criam frangos, suínos, produzem leite e aproveitam até um lago para criar peixes. Com esse aproveitamento de todos os espaços, é possível ter um padrão de vida e renda muito bom”.

Para o professor, os pequenos produtores devem se aproximar de empresas, cooperativas ou associações. “Temos que pensar na organização de grupos para obter informações sobre tecnologia, mercado, garantia de preço e de comercialização. Vai sobreviver nesse ramo quem tiver mais organização e planejamento”, afirma.

Foto: Paulo Palma Beraldo/De Olho no Campo
No campo
Braz Albertini é agricultor familiar e mora no mesmo sítio até hoje, em Regente Feijó-SP. Durante a semana, fica em Bauru-SP ou viaja pelo interior do estado a serviço da Federação dos Trabalhadores na Agricultura Familiar do Estado de São Paulo – FETAESP – na qual é presidente.

Ele dá exemplos de como a organização em cooperativas ou associações pode ajudar os pequenos produtores. “É diferente ir sozinho comprar um saco de adubo do que uma cooperativa comprar 500 sacos. Da mesma forma, vender 100 caixas de tomate é diferente de vender cinco mil. Com volumes maiores, é mais fácil negociar e sair ganhando”, diz.

Braz comenta que a colocação dos produtos no mercado é uma dificuldade para o agricultor. “Na hora de comprar, o agricultor paga o preço do adubo e do veneno imposto pelas empresas. Mas na hora de vender, ele pergunta: quanto vocês pagam pelo meu produto? Isso precisa mudar”.

Ele sentiu isso na pele quando comercializava peras. Algumas vezes, vendia as frutas para o Ceasa de São Paulo. Porém, nem sempre elas enchiam um caminhão e o custo do transporte era muito alto. “Às vezes o que eu recebia com as peras não pagava uma viagem para São Paulo. “Então, eu vendia uma parte para os mercados locais. 

Para não perder o resto, era obrigado a comercializar a um preço menor para algum atravessador que aparecia, pagava o que queria e ganhava nas minhas costas”, recorda Braz. Atravessadores são pessoas que fazem o meio de campo entre os agricultores e os pontos de venda e, muitas vezes, “ganham mais que as duas pontas”, explica Braz.

Outra saída para a agricultura familiar é vender para as políticas do governo, como o Programa Nacional de Merenda Escolar (PNAE), que compra 30% de seus produtos da agricultura familiar e leva alimentos aos mais de 40 milhões de alunos das escolas públicas. Há também o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que compra de agricultores familiares para distribuir a creches, asilos, hospitais e outros espaços públicos.

Para fornecer para esses programas, é fundamental programar a produção ao longo do ano, diz Braz. “Não adianta entregar muitos produtos em uma semana e na outra não ter nada. Para programar, é necessário acompanhamento de um técnico, uma pessoa para orientar: vamos plantar isso nesse mês, depois aquilo, escolher essa variedade de semente e não aquela, colocar certa quantidade de adubo, aplicar menos agrotóxico”, exemplifica Braz.

Ele defende a adoção de tecnologias como a principal forma de aumentar a produtividade do agricultor familiar. “Nós precisamos de pessoas que transfiram tecnologias e que levem as pesquisas até a propriedade. Para o grande agricultor, é possível buscar inovações com recursos próprios. Mas para o agricultor familiar, não. Ele trabalha todos os dias na sua propriedade. Um dia que ele tira para ir à cidade é um dia perdido no serviço. Por isso é papel do governo dar suporte para esse cidadão”, opina Braz.

Dirk Ahrens, pesquisador especializado em agricultura familiar do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR), afirma que a pouca oferta de produtos e pesquisas adaptados para as necessidades dos pequenos produtores inibe a adoção de tecnologias. E vai além: “Alguns não querem correr riscos ou não têm recursos financeiros para adotá-las, pois qualquer inovação tem um custo”. Ahrens afirma que é imprescindível reduzir a burocracia para facilitar a comercialização de produtos para as políticas do governo, como o PAA e o PNAE.

Ponte entre pesquisa e agricultores
No Paraná, existem 330 mil propriedades rurais, das quais 90% pertencem a agricultores familiares. O estado é um dos principais produtores de milho, feijão e carne de frango do país. Lá, o Instituto de Assistência Técnica e Extensão Rural do Paraná (Emater-PR) trabalha para ajudar os produtores a adotarem novas tecnologias e aumentarem sua produção e renda.

Rubens Niederheitmann, presidente do instituto, explica que o panorama agropecuário brasileiro mudou nos últimos anos, com a queda “drástica” da população rural e a intensificação da produção. “A tecnologia e os aspectos financeiros assumiram grande importância. Atualmente, a indústria e o varejo são os componentes que determinam os rumos das cadeias de produção”, diz.

Para ele, a adoção de tecnologias é essencial para o sucesso das propriedades. E o Emater auxilia nesse aspecto, sendo a ponte entre a pesquisa e os agricultores. “Temos tecnologias menos agressivas para reduzir perdas da produção, aumentar a produtividade e diminuir a contaminação do meio ambiente”.

Resultados
O presidente do Emater diz que é preciso aperfeiçoar as cadeias produtivas já existentes e criar opções como a produção de frutas, hortaliças, madeira e a criação de cordeiros e peixes. Um dos projetos do Emater está na região de Castro, norte do PR, focada na gestão da propriedade leiteira. 

Grupos de agricultores receberam acompanhamento de profissionais do Emater e da cooperativa Castrolanda sobre produtividade e qualidade do leite. “Depois de oito anos, a produção, com média de 50 litros/dia/agricultor, passou para mais de 500 litros/dia por agricultor”, conta Niedertheitmann.

Outro é o Projeto Centro-Sul de Feijão e Milho, existente há 26 anos. Com o objetivo de levar ao agricultor informações e técnicas para aumentar a produtividade dessas duas culturas, o projeto já atendeu 11 mil agricultores em 41 cidades. Em algumas áreas, a produção desses grãos triplicou.

Em Minas Gerais, as pesquisas contribuíram para que o estado se tornasse o maior produtor de café do país. Na Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (Epamig), as pesquisas com café existem há mais de 40 anos. Técnicas de adubação, poda, controle de pragas e doenças, além de cuidados após a colheita foram melhorados.

“Dezoito por cento de todo o café consumido no mundo é produzido em Minas Gerais. Essa produtividade e qualidade estão ligadas ao investimento em pesquisa. A produção média de café aumentou de 11 para 24 sacas por hectare”, relata Juliana Simões, chefe da Divisão de Transferência Tecnológica da Epamig.

Texto publicado originalmente no WebJornal da Universidade Estadual Paulista