Como é produzido o fruto que dá origem às cuias de chimarrão?
Entrevista com Wolmar Trevisol, pesquisador que estudou a cultura do porongo, responsável pela fabricação das cuias de chimarrão, para trazer mais informações e aumentar a renda dos produtores.
Paulo Palma Beraldo
Fotos: Wolmar Trevisol
Você já ouviu falar do porongo? Pode até ser que sim, mas não se lembra. É graças à cultura do porongo que as cuias de chimarrão, bebida apreciada especialmente no Sul do país, são fabricadas.
Wolmar cultiva porongo na região onde mora, no Nordeste do Rio Grande do Sul, e nas universidades onde concluiu um mestrado (Universidade Federal de Pelotas) e um doutorado (Esalq/Usp).
Vários anos de estudo trouxeram informações e possibilidades para essa cultura que ajuda a aumentar a renda dos agricultores familiares.
O porongo também serve para fabricar cachimbos, garrafas e tem potencial para o comércio de outros produtos artesanais, defende Wolmar.
- Estou há anos estudando o fruto do porongo para uso como vaso de bromélias e cactos (sou cacticultor há mais de 25 anos e há mais de 6 anos tenho utilizado vasos de porongo para cactos). Sugiro a utilização do casco rejeitado triturado como substrato para cultivo em vaso - exemplifica.
Abaixo os melhores trechos da entrevista.
Para começar, gostaria que contasse de onde surgiu sua motivação para fazer um doutorado a respeito do porongo.
A região onde resido (nordeste do estado do Rio grande do Sul) cultiva porongo há mais de 50 anos e existe pouco estudo sobre essa cultura.
Há muitos anos tenho cultivado, em pequena escala, algumas populações de porongo, como uma maneira de aprender mais e conservar esses genótipos. Foi em razão da lacuna presente no conhecimento agronômico da cultura, que surgiu o interesse.
Também o tema de Mestrado realizado na (UFPEL) foi sobre porongo e, assim, o doutorado possibilitou avançar mais no conhecimento desta cultura.
Qual a importância da cultura do porongo no Rio Grande do Sul, em especial para os agricultores familiares?
A cultura do porongo é muito importante para a agricultura familiar em muitas famílias da região, pois a renda auferida melhora a qualidade de vida dos agricultores e proporciona a geração de muitos empregos.
Muitos produtores têm atuado em toda a cadeia produtiva, desde a produção, processamento e comercialização da cuia, agregando mais renda com a atividade.
A rentabilidade da cultura afeta o aspecto social, fixando estes agricultores na zona rural. Muitos materiais (genótipos) que os agricultores há anos utilizam e vêm realizando práticas a seu modo, fazendo uma seleção própria e assim, preservando importante material para a biodiversidade.
Existe uma estimativa de quantas famílias trabalham com a atividade?
Uma reportagem do jornal Correio do Povo (27-01-2012), mostra dados do município da nossa região (que mais produz cuias), Vicente Dutra e ali há 1,1 mil famílias de agricultores, das quais 520 produzem porongos.
Qual o principal problema enfrentado pelos produtores de porongo?
Historicamente, são as secas que ocorrem a cada 5 anos. A água é crucial para a qualidade da cuia, sendo necessário um incentivo à irrigação da cultura.
Agregar qualidade ao produto (cuia diferenciada) e, na comercialização, qualificar mais o produtor nestes aspectos citados.
No início de sua tese, o senhor relata que uma das principais dificuldades é atrair investimentos e interesses de instituições de pesquisa e do agronegócio para a cultura do porongo, devido à pequena escala de produção. Por que isso ocorre? E como superar esse desafio?
"A pesquisa no Brasil está muito voltada a interesses comerciais, tanto de órgãos oficiais como de empresas que comercializam insumos. Vejo a cultura do porongo “marginalizada e oprimida” diante do pouco que se tem feito por ela. Pouca produção de escala, não desperta um grande valor comercial e esta é a realidade vivenciada".
Não há crédito (financiamento), porque não existe muito estudo (da viabilidade técnica e zoneamento agroclimático para a cultura) e assim muitos produtores não aplicam as poucas tecnologias já existentes.
Superação dessas situações, mostrando que a cultura é viável; juntando informações dos produtores, agentes de difusão de tecnologias e assim expressando a importância dessa cultura para a agricultura familiar.
Infelizmente, percebo que o valor social da cultura, a preservação desse genótipo para a biodiversidade não desperta atenção merecida.
A que conclusões o estudo do senhor chegou e de que forma ele pode contribuir para o desenvolvimento da cultura do porongo no Brasil?
Do estudo da fenologia que identificou as fases fenológicas e a duração das mesmas em graus-dia acumulados (GDA), foram importantes para orientar o manejo da cultura;
Do estudo da morfologia, concluiu-se que o porongueiro apresenta elevada área foliar por fruto (4,5m²) e baixa taxa de fecundação (2,35%, de 100 flores femininas só formam 2,35 frutos). A cultura tem potencial para aumentar a produtividade, mas esta depende do aumento da taxa de fecundação ( mais estudo para identificar agente polinizador e sua eficiência);
Determinação ponto de colheita do fruto: A cor pardo-escura do pedicelo do fruto é um indicador do ponto de colheita do porongo e este interfere na qualidade da cuia.
Com o estudo da biologia floral, foi confirmado que a polinização das flores do porongo depende de um agente biótico.
A produtividade aumenta com a densidade de plantas do genótipo de casco grosso precoce, sem, no entanto, poder definir a população máxima. Os atributos morfológicos da qualidade da cuia não variaram com a densidade de plantas, no intervalo da pesquisa.
É preciso atentar para algumas observações, como:
A tendência de mercado, como o tipo de cuia a ser comercializada (nos últimos anos há mais interesse por cuias pequenas).
- Além disso, superar problemas de comercialização como: onde vender, uma vez que cada região do sul do Brasil tem preferência por diferentes tipos de cuias quanto ao formato e tamanho;
- Qual objetivo do produtor: produzir e vender a cuia bruta ou produzir e processar a cuia (nesse caso, vai necessitar adquirir equipamento para esta finalidade);
- Local de cultivo: é fundamental que não tenha sido cultivado cucurbitaceas (melão, melancia, abóbora) nesta área, pelo menos há dois anos (evitando problemas fitossanitários: pragas e doenças);
- Adquirir semente do genótipo a ser cultivado de lavouras que não tenha ocorrência de doenças (virose);
- Definir a densidade de plantas que está em função de tipo de genótipo a ser cultivado e tratos culturais;Adubação correta, principalmente a fonte de cálcio que é importante para formação da textura do casco da cuia.
- Na semeadura direta pode ocorrer perda de semente por ataque de ratos (cavam e comem as sementes antes de germinarem).
- Antes da semeadura, eliminar formigas que cortam as plantas novas;
- Cuidados com pragas, principalmente a vaquinha (Diabrótica speciosa), que ataca folhas e flores e pulgão que suga a seiva nas folhas e podem transmitir vírus.
O De Olho no Campo agradece pelas fotos e pela entrevista de Wolmar Trevisol.