Entrevista com o pesquisador Lucas Leite, chefe geral da Embrapa Agroindústria Tropical (CE)

Pesquisador falou sobre o papel da agroindustrialização como forma de geração de renda no campo, as pesquisas nesse ramo e os desafios para o futuro


Paulo Palma Beraldo
Fotos: Cláudio Norões/Embrapa

Grande parte da produção de alimentos pode ser explorada de forma mais eficiente. 

Uma das principais maneiras de aumentar a eficiência da exploração agropecuária passa pelo desenvolvimento tecnológico. E, em especial, pela agroindustrialização. 

É o que explica o entrevistado do dia,  o engenheiro agrônomo Lucas Antonio de Sousa Leite, Mestre em Fitotecnia, Doutor em Economia, e atualmente Chefe Geral da Embrapa Agroindústria Tropical, com sede em Fortaleza, Ceará. 

Segundo Lucas Leite, o termo agroindústria envolve pelo menos três grandes componentes, explicados assim: 
  1. a indústria para agricultura (fornecedora de máquinas, equipamentos e insumos para os segmentos agropecuário, florestal e aquícola); 
  2. a indústria processadora em si, que transforma matérias-primas oriundas desses segmentos produtivos; 
  3. a indústria fabricante e fornecedora de máquinas, equipamentos e insumos para própria linha de processo agroindustrial. No Brasil essa atividade está envolvida com um sem número de cadeias produtivas formando importantes complexos agroindustriais, a exemplo da soja, cana-de-açúcar, carnes, fibras, madeira, trigo, leite, frutas, peixes/crustáceos, café, dentre tantos outros. 
Lucas Leite afirma ainda que há grande potencial de exploração de matérias primas com foco na agregação de valor em segmentos como alimentos funcionais, corantes naturais, fragrâncias, medicamentos, cosméticos e ração animal. 

O investimento na formação de pessoal e na estruturação de estrutura laboratoriais com maior capacidade analítica é fundamental para que isso ocorra. A Embrapa Agroindústria Tropical, unidade que tenho a honra de chefiar, tem priorizado o foco no aproveitamento integral das matérias primas e na redução de resíduos dos processos agroindustriais - explica.  

Um exemplo dos avanços trazidos por esse ramo de pesquisa é o da água de coco. Aproximadamente 85% do peso do coco é formado pela casca, material que se acumulava no meio ambiente, pois é de difícil degradação. Hoje o material pode ser usado para produzir substrato agrícola, fabricar vasos, tapetes, artesanatos e até acessórios automotivos. 



Nas duas linhas, tanto da viabilização do envasamento da água de coco, quanto do aproveitamento de resíduos, a Embrapa tem tido um papel fundamental para o desenvolvimento de soluções tecnológicas - diz, orgulhoso o engenheiro agrônomo

Abaixo os melhores trechos da entrevista. 

A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) estima que a produção de derivados de frutas e legumes representa 9% das agroindústrias nacionais. Qual o potencial de crescimento desse setor no Brasil?
Esse é um mercado crescente em função do elevado índice de urbanização do país e do poder de compra da população. A consciência das pessoas com relação a hábitos saudáveis de alimentação, bem como, fatores ligados à conveniência e acesso, favorecem aos mercados desses produtos. 

As indústrias de polpas de frutas, de alimentos pré-cozidos e de fast food têm registrado crescimento. Como a agroindustrialização pode se beneficiar deste cenário?
Esse crescimento se dá também em outros nichos como, por exemplo, o de alimentos funcionais, cosméticos e medicamentos elaborados com princípios ativos naturais, o que estabelece um grande potencial de crescimento e oportunidades  para a agroindustrialização. 


Pó de coco, fruto do reaproveitamento da casca do fruto. 
Que bons exemplos de reaproveitamento de subprodutos e de agroindústrias podem ser motivos de inspiração para outros projetos semelhantes? Como o maracujá, por exemplo, do qual os resíduos provenientes do cultivo e do processamento podem ser 100% aproveitáveis sem gerar nenhum outro resíduo neste processo. 
Um exemplo inspirador é o do coco verde. Há alguns anos, a água de coco era um produto apenas para consumo in natura, prática que gerava problemas com o transporte, armazenamento e perecibilidade do produto. 

"O desenvolvimento e a aplicação de tecnologias no processamento e na conservação da água de coco viabilizaram o comércio do produto em larga escala, ampliando o aproveitamento da fruta e o surgimento de um novo nicho agroindustrial". 
Mas essa nova indústria trouxe consigo um problema: a casca do coco verde representa cerca de 85% do peso bruto da matéria-prima. Esse resíduo de difícil degradação se acumulava em aterros sanitários, gerando um enorme passivo ambiental. 

A solução para o problema partiu da pesquisa e do desenvolvimento tecnológico. Alternativas para aproveitamento da casca de coco foram viabilizadas tais como a produção de substrato agrícola, a fabricação de vasos, tapetes, mantas para contenção de erosão, artesanatos, acessórios automotivos e novos materiais.  

Nas duas linhas, tanto da viabilização do envasamento da água de coco, quanto do aproveitamento de resíduos, a Embrapa tem tido um papel fundamental para o desenvolvimento de soluções tecnológicas. 

Agora, avança no sentido de desvendar outros usos para essas matérias primas, como a possibilidade de produção de MDF ecológico (painel elaborado a partir da casca de coco verde). 

Que alimentos podem ser explorados com maior eficiência? Por exemplo: A indústria da batata, consumida em formas industrializadas em outros países e no Brasil vendida em sua maior parte in natura. Gostaria que o senhor especificasse as possibilidades de algumas, já que há grande variação entre elas. 
A maioria das cadeias produtivas de alimentos pode ser explorada com maior eficiência. A busca por soluções para aumentar o desempenho passa pelo desenvolvimento tecnológico, que é em síntese a missão da Embrapa. 

O investimento na formação de pessoal e na estruturação de estrutura laboratoriais com maior capacidade analítica é fundamental para que isso ocorra. A Embrapa Agroindústria Tropical, unidade que tenho a honra de chefiar, tem priorizado o foco no aproveitamento integral das matérias primas e na redução de resíduos dos processos agroindustriais. Tomemos o exemplo do caju. 

Há alguns anos, a castanha de caju era praticamente o grande produto dessa exploração, observando-se no campo um enorme desperdício do pedúnculo (maçã do caju).  A busca incessante por alternativas e soluções com foco em novos modelos de negócio viabilizou, por exemplo, a comercialização do pedúnculo como fruto de mesa em mercados distantes dos locais de produção. 

Anteriormente, como o produto é altamente perecível, não era possível o transporte das regiões produtoras para grandes mercados de outras regiões. A solução veio a partir do desenvolvimento de tecnologias de pós-colheita e de embalagem. A indústria de sucos também já conta com alternativas para a produção em diversas linhas. 

Estamos avançamos ainda na busca pelo aproveitamento dos resíduos do processamento, para a produção de produtos com alto valor agregado, a exemplo de corantes naturais e alimentos funcionais. Há estudos também para identificação de moléculas com o objetivo de viabilizar novos princípios ativos aplicáveis a outros usos.


Carotenoides, pigmentos naturais extraídos das frutas, responsáveis pela coloração. 
Como a agroindustrialização pode auxiliar no desenvolvimento rural, especialmente da agricultura familiar, responsável por mais de 80% das propriedades rurais no país, segundo dados do Censo Agropecuário de 2006, o mais recente?
As cadeias produtivas possuem suas especificidades em termos da integração produção agropecuária/processamento industrial, linhas de produtos, mercados, ações de redução e aproveitamento de resíduos, desenvolvimento de coprodutos, enfim, da sua organização e distribuição espacial, social e econômica. 

A funcionalidade da agroindústria constitui uma grande alternativa para a pequena e média produção local. A estruturação de agroindústrias de primeira transformação (aquelas que processam matérias primas para fornecer às grandes empresas), ou mesmo, os pequenos empreendimentos que cativam consumidores locais são exemplos disso. 

Nesses casos, é importante destacar a necessidade de observância de leis e regulamentos técnicos que condicionam a exploração dessas empresas ou cooperativas, principalmente no que se refere à agroindústria processadora de alimentos. 

Políticas do governo federal, a exemplo do Programa de Aquisição de Alimentos – PAA - e do Programa Nacional da Alimentação Escolar - PNAE, e iniciativas como o turismo rural, são instrumentos catalisadores dessas iniciativas da agricultura e da agroindústria familiar.

Como fomentar estratégias para envolver parceiros como indústrias de polpas, fabricantes de equipamentos, entidades de pesquisa e agricultores?  Como unir a agroindústria com o produtor, com objetivo de aliar matéria-prima, processamento e comercialização? 
A governança da cadeia produtiva agroindustrial orientada para o consumidor final é a chave para o sucesso. Outro aspecto crucial nesse processo é que uma cadeia produtiva é tão forte quanto o seu elo mais fraco. 

A produção e oferta de matéria prima de qualidade precisa receber preços justos, evitando-se o enfraquecimento da cadeia como um todo. 
As tecnologias de processamento agroindustrial permitem agregar valor e possibilitam a conservação das matérias-primas por longos períodos. Existem diferentes formas para associar os pequenos produtores rurais às agroindústrias. 

O nível de integração e de verticalização, os custos de transação e o poder de trocas com o ambiente institucional e organizacional que regula a cadeia produtiva são elementos importantes nessa configuração produtiva. 

O que não se pode esquecer é que a opção de verticalização da produção tem que ser muito bem avaliada, porque envolve questões de mercado, escala, logística e rentabilidade. 

Conhecemos vários modelos de integração entre produção e processamento, desde modelos clássicos como de empresa âncora e unidades integradas até as iniciativas de cooperação, de associação de pequenos produtores ou mesmo de startups catalisando novos empreendimentos. 

O caso da acerola

Para citar um exemplo, na década de 1990, a empresa Nutrilite procurou a Embrapa para desenvolver variedades de acerola que viabilizassem a produção comercial de vitamina C em pó. 

Isso porque a acerola colhida verde é uma das principais fontes de vitamina C e o clima do Nordeste permite produzir a fruta o ano inteiro. Como resultado dessa parceria, a Nutrilite instalou uma fazenda e uma unidade industrial no município de Ubajara (CE) e, para viabilizar a criação de uma cadeia produtiva com maior valor agregado, a Embrapa Agroindústria Tropical lançou quatro clones de acerola. 

Anos depois, em 2012, foi lançado um novo clone, campeão de produtividade, a acerola BRS 366 Jaburu. Hoje, o negócio gera, ao todo, 5 mil empregos diretos e 15 mil indiretos. 

Essa cadeia engloba 130 agricultores familiares do Piauí, Bahia e Ceará, que vendem acerola para a Nutrilite. Em 2013, mesmo com a seca muito forte, esses agricultores produziram 8 mil toneladas, ou R$ 5,7 milhões.

Uma das dificuldades relatadas por agricultores é a falta de acesso à informação. Ela existe, mas nem sempre chega com qualidade ao campo. Como mostrar que é possível obter lucro de subprodutos que normalmente seriam descartados e estimular o crescimento do empreendedorismo e criação de novas agroindústrias? 
Esse é um grande desafio enfrentado pelas instituições que trabalham com pesquisa, incluindo as que compõem o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária - do qual faz parte a Embrapa. 

Fazer chegar a informação na ponta envolve políticas públicas e uma complexa rede de articulações. No caso da Embrapa Agroindústria Tropical e da Embrapa como um todo, uma das principais estratégias é a formação de multiplicadores, a maioria deles técnicos de instituições públicas, como Emater, por exemplo, e de organizações sociais ou privadas. 

Dessa forma, a Embrapa ganha capilaridade e faz chegar as informações tecnológicas a um número maior de produtores e empreendedores agroindustriais. 

A empresa também mantém articulação com as diversas cadeias produtivas, participa dos principais fóruns/câmaras setoriais e investe bastante em comunicação e transferência de tecnologia. Essa articulação é fundamental para fazer chegar as informações aos diversos públicos. 

É bom lembrar, por fim, que nesse campo além dos aspectos tecnológicos é fundamental a capacidade de organização e de gestão, o que enaltece também o papel orientador do Sistema S (Sebrae, Sesi, Senai, Senar etc.) para viabilizar a implantação e gestão dos empreendimentos agroindustriais.