Área de refúgio em culturas transgênicas é fundamental para o controle de pragas, alerta Embrapa

Plantações de culturas transgênicas, como milho, soja e algodão, precisam manter uma área da lavoura somente com plantas convencionais não transgênicas. 

A falta dessa medida preventiva, conhecida como área de refúgio, acaba provocando a seleção de insetos-praga cada vez mais resistentes, tornando inócua a ação desejada dos transgênicos.

"A área de refúgio é a principal estratégia que os produtores têm para evitar a quebra de resistência dos transgênicos, mantendo o equilíbrio ecológico e a produtividade das lavouras", diz a pesquisadora Simone Martins Mendes, da Embrapa Milho e Sorgo (MG).

Segundo o pesquisador José Magid Waquil, o produtor que não utilizar a área de refúgio pode ser o primeiro a sofrer com os prejuízos, pois quando não há estímulos à migração, a tendência das mariposas emergidas numa determinada área é permanecer no local. 

"É recomendado que, além de plantar a área de refúgio, o produtor faça uma rotação do seu híbrido, utilizando diferentes eventos de Bt na sua área plantada, principalmente onde já foi observado ocorrência de lagartas. Além disso, o produtor deve utilizar híbridos de milho expressando mais de uma proteína Bt e deve evitar o uso do mesmo evento Bt utilizado no ano anterior", enfatiza Waquil.

"Um dos principais riscos associados à não adoção da área de refúgio é a rápida seleção de indivíduos ou raças das pragas-alvo resistentes às toxinas do Bt", comenta Paulo Afonso Viana, também pesquisador da Embrapa Milho e Sorgo. Para incentivar a adoção do uso da área de refúgio pelos produtores, é importante adotar medidas educacionais em todos os canais de distribuição de revenda de sementes e conscientizar os consumidores sobre a importância de adotar a área de refúgio.

O agricultor precisa buscar informação. "Quando as dimensões das glebas cultivadas com milho Bt, por exemplo, forem acima de 800 metros de comprimento, serão necessárias faixas de refúgio internas nas respectivas glebas, semeadas simultaneamente", diz Viana.

O milho transgênico atualmente comercializado no Brasil pode expressar em seus tecidos eventos com uma, duas ou até três proteínas obtidas da bactéria Bacillus thuringiensis, a qual lhe dá o nome: milho Bt, o qual tem como pragas-alvo algumas espécies de lagartas (lepidópteros) e a larva-de-diabrótica, um besouro (coleópteros), que causam prejuízos à cultura do milho.

Mendes acrescenta que na lavoura de milho Bt também ocorre uma otimização das tarefas de tratos culturais. "Porém para obter êxito em sua plantação o produtor precisa adotar práticas como o uso da área de refúgio e cumprir as normas de coexistência com as cultivares convencionais", orienta.

A pesquisadora explica que o principal papel do milho Bt, no manejo de pragas, é reduzir os danos causados pelas lagartas. "Essa tecnologia deve ser vista como mais uma opção para o Manejo Integrado de Pragas (MIP) e pode, se bem manejada, reduzir a utilização de inseticidas químicos, o que favorece o estabelecimento do controle biológico", diz Mendes.

Independentemente da cultura Bt, a utilização da área de refúgio é fundamental para manter a eficiência da tecnologia por mais tempo. O princípio envolvido nas áreas de refúgio é simples. Se o produtor mantiver uma área de cultura 100% Bt, a ação inseticida da planta eliminará a maioria dos indivíduos, mas será preservado um pequeno grupo naturalmente resistente àquele princípio ativo. Com o tempo, os insetos mais resistentes serão os únicos sobreviventes e cruzarão entre si, gerando novas populações de indivíduos resistentes ao Bt.

A área de refúgio, composta por plantas convencionais, serve de abrigo para insetos suscetíveis à ação dos transgênicos. A sobrevivência destes garante novos cruzamentos entre resistentes e suscetíveis gerando novas populações em que essa resistência será diluída e promoverá a presença de insetos que serão eliminados pela cultura Bt.

Rotação de genes
O pesquisador José Magid Waquil é pós-graduado em Entomologia com ênfase em manejo de resistência de insetos. Ele explica que, dependendo do evento transgênico escolhido, pode-se esperar maior ou menor eficácia de controle das espécies de praga. "Sempre que possível, deve-se selecionar eventos que expressem proteínas inseticidas diferentes para milho, soja e algodão, evitando a sobreposição de proteínas inseticidas, com intuito de reduzir a pressão de seleção na área plantada", diz.

O monitoramento da eficácia dos eventos Bt, utilizados nas lavouras, deve servir de balizamento para escolha dos eventos transgênicos a serem plantados na safra seguinte.

O produtor deve conhecer as proteínas inseticidas expressas em cada evento e evitar o plantio de eventos que contêm a mesma proteína inseticida em toda sua lavoura.

Mendes ressalta que é preciso ter o mesmo cuidado em relação às proteínas que apresentam menor eficácia no controle das lagartas na safra anterior. "É o que chamamos de ‘rotação de genes' ou de proteínas inseticidas", afirma.

Manejo Integrado de Pragas
Simone Mendes ressalta que o plantio da área de refúgio é parte fundamental das estratégias básicas de manejo de resistência de insetos-pragas (MRI) em lavouras que utilizam a tecnologia Bt, pois isso auxilia a retardar a evolução da resistência por reduzir a frequência inicial de indivíduos resistentes na população.

 "Na ausência de pressão de seleção, ou seja, antes da adoção das lavouras Bt, é possível que genes de resistência já estejam presentes na população do inseto, entretanto, em baixa frequência.

Com a utilização da tecnologia Bt por várias gerações, fazendo pressão de seleção gradativa sobre as populações selvagens, isso irá reduzir a frequência dos indivíduos suscetíveis e selecionar os indivíduos resistentes à proteína Bt", enfatiza a pesquisadora.

"Este processo pode ser acelerado ou retardado, dependendo, respectivamente, da maior ou menor frequência de acasalamento de fêmeas resistentes com machos também resistentes. A utilização da alta dose é importante para controlar os indivíduos híbridos (heterozigotos), resultantes do acasalamento entre um resistente e um suscetível. Mesmo assim, a utilização da área de refúgio é crucial para produzir um número suficiente de indivíduos suscetíveis para evitar a chance de dois resistentes se "acasalarem", gerando insetos resistentes homozigotos", esclarece Mendes.

"Assim, torna-se imperativo a utilização da área de refúgio com cultivares não Bt, reduzindo a velocidade de seleção de insetos resistentes. Como a função da área de refúgio é produzir indivíduos suscetíveis à tecnologia Bt, não se deve utilizar bioinseticida à base de Bt para pulverizar essa área e deve-se estabelecer um programa de manejo integrado de pragas (MIP), para reduzir a pulverização com inseticidas convencionais", pontua a pesquisadora.

RecomendaçõesO percentual da área da lavoura a ser semeado com milho não Bt, de acordo com a recomendação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), é de 10% cento do total da lavoura, independente da tecnologia a utilizada em milho e 20 % para soja. Quanto ao algodão, no entanto, varia de 5 a 20% (ver Tabela 1).
A área de refúgio deve ser semeada com cultivares de iguais portes e ciclos aos do milho Bt bem como é preciso observar que o refúgio deve estar a mais de 800 metros de distância das plantas transgênicas. 
"Esse sincronismo entre o desenvolvimento das plantas Bt com as não Bt permite o desenvolvimento de mariposas (adultos das lagartas) na área de milho Bt, simultaneamente com as emergidas na área de refúgio. Assim, ocorre o aumento de chances de acasalamento entre esses adultos, pois as mariposas não se dispersam por mais de 800 metros", explica Mendes.
A rápida seleção de biótipos ou raças das pragas-alvo resistentes às toxinas do Bt também é um risco ao não se usar a área de refúgio. "Por isso, evitar a seleção de insetos resistentes é a melhor estratégia", afirma a pesquisadora, salientando que a utilização da área de refúgio é essencial para garantir a manutenção da funcionalidade e da durabilidade da tecnologia Bt.
Área de coexistênciaNo Brasil, a norma de coexistência do milho Bt com cultivares não Bt é estabelecida pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CNTBio), vinculada ao Ministério da Ciência Tecnologia e Inovação (MCTI). 
A comissão estabelece as distâncias mínimas entre cultivos comerciais de milho geneticamente modificado e outro de milho não geneticamente modificado, em áreas vizinhas, para permitir a coexistência entre os diferentes sistemas de produção no campo: igual ou superior a 100 (cem) metros ou, alternativamente, 20 (vinte) metros, desde que acrescida de bordadura com, no mínimo, 10 (dez) fileiras de plantas de milho convencional de porte e ciclo vegetativo similar ao milho geneticamente modificado.
Dessa forma, a área de refúgio pode ser feita com o aproveitamento da área de coexistência, desde que atenda à distância máxima entre o milho Bt e o refúgio. O produtor precisa obedecer as duas regras, tanto para a preservação da tecnologia Bt como para a liberdade do vizinho em produzir milho convencional. 
"A área de coexistência existe para preservar a liberdade de escolha de produtores vizinhos e consumidores em relação à cultivar de milho. É importante que o produtor não confunda a área de refúgio com a área de coexistência", afirma Mendes.
Waquil informa que no caso da cultura da soja, por ser uma cultura de auto fecundação, não há necessidade das práticas para a coexistência. Já para a cultura do algodão transgênico não é permitida nas áreas de exclusão, onde ocorrem populações de algodão selvagem. "Para o milho a área de refúgio é de no mínimo 10%. Porém, já existem questionamentos e a tendência é que essa área seja aumentada, destaca.
Fonte: Sandra Brito/Embrapa Milho e Sorgo 
Foto: Paulo Palma Beraldo/De Olho no Campo