Especial: Logística - a pedra no caminho

Brasil investe oito vezes menos em infraestrutura que países concorrentes – quem paga a conta são os produtores, empresários e consumidores

Paulo Palma Beraldo


“No meio do caminho tinha uma pedra…”. Assim o escritor mineiro Carlos Drummond de Andrade começa um de seus mais famosos poemas.  O texto foi publicado em 1930 e desde então traduzido para dezenas de idiomas. Afinal, cada um tem a sua pedra no meio do caminho. E a do agronegócio atende por um nome grego: logística. Mas, o que significa exatamente isso?

Quem conta mais sobre o assunto é Renato Pavan, que tem mais de 30 anos de experiência com logística. Ele já foi presidente da Ferrovia Paulista S.A (Fepasa) e trabalhou com projetos de infraestrutura e transporte no governo. Hoje, é presidente da consultoria Macrologística. Pavan afirma que os investimentos logísticos brasileiros ainda são baixos em comparação com outros países, o que atrapalha o país no comércio internacional.

“O Brasil investe em infraestrutura de transporte apenas 0,5% do PIB, enquanto a Rússia e China, cerca de 4%. Isso coloca o Brasil no 114º lugar em competitividade da infraestrutura de transporte entre 142 países pesquisados pelo Fórum Econômico Mundial”. Renato Pavan relata que um dos maiores problemas da safra brasileira é a falta de capacidade de armazenagem nas propriedades.

O Brasil tem capacidade de armazenagem dez vezes menor que os Estados Unidos, nosso principal concorrente. O especialista afirma que nos EUA é possível armazenar uma safra e meia. No Brasil, o número é bem inferior: apenas 15% de uma safra. 

O revendedor de insumos agrícolas e agricultor Rogério Oliveira, de Novo Horizonte-SP, viajou para os Estados Unidos em 2013. Ele visitou diversas propriedades rurais e cidades agrícolas nos Estados Unidos e comenta que lá a utilização de ferrovias e hidrovias é muito grande. “Alguns trens carregam mais de 300 vagões, algo impressionante. Eu nunca tinha visto nada parecido”, relembra.

Rogério tem uma propriedade rural no centro do estado paulista e sofre com o preço do transporte de alguns insumos, como o calcário, necessário para corrigir a acidez do solo. “O preço do frete até a minha propriedade é de 70 reais. O preço da tonelada de calcário não passa de 35 reais”, diz o agricultor, insatisfeito. Com o gesso, a situação é semelhante. Para o produto vir de Santos até Novo Horizonte, o frete passa dos 60 reais, enquanto o produto custa 40. A logística ineficiente é a pedra no caminho do agronegócio.

A produção de grãos aumentou 47 milhões de toneladas nos últimos cinco anos. A infraestrutura do país – para a exportação e para o mercado interno – no entanto, não acompanhou o ritmo. Nos principais portos do país, filas de navios esperam muitos dias para carregar, com grandes prejuízos e multas para os exportadores.

Gilson Pinesso, presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), questiona a falta de uma infraestrutura que permita que as safras sejam exportadas por portos das regiões Norte e Nordeste e não apenas pelos do Sul e Sudeste. Ele comenta que isso diminuiria o congestionamento dos portos, encurtaria consideravelmente a distância percorrida pelo transporte e reduziria seu custo. “É inconcebível que o algodão produzido no oeste da Bahia tenha que percorrer cerca de dois mil km para ser exportado pelo porto de Santos”.

Os ganhos trazidos pela alta produtividade e qualidade do produto acabam se perdendo em razão do preço do transporte para comercialização. E os resultados aparecem nos números. Nos Estados Unidos, o preço médio para transportar uma tonelada de soja em 2012 foi de 20 dólares. No Brasil, o preço foi quase cinco vezes maior: 98 dólares, segundo dados da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais.

Brasil privilegia uso de rodovias desde os anos 1960. Transporte rodoviário é mais caro, prejudica mais o meio ambiente e é mais suscetível a acidentes.
Desde o produtor de arroz do Sul ao exportador de carne de Minas Gerais, até quem compra um tecido numa loja da Bahia, todos são afetados pela logística ineficiente do país. De acordo com o Ministério da Agricultura, o agronegócio representa mais de um terço das riquezas do país. Poderia ser mais. E por diversos fatores. Gilson Pinesso, da Abrapa, comenta sobre estudos mostrando que melhorias na logística levariam os produtores de algodão a economizar cerca de R$ 160 milhões por ano.

Por que os preços de transporte são mais caros aqui do que no exterior?
Quem responde é Daniel Furlan Amaral, gerente de economia da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). “Um dos pontos desfavoráveis é que o Brasil privilegia o uso de rodovias para transportar grãos, ao contrário dos Estados Unidos”. 

Amaral afirma ainda que no Brasil 72% da distribuição de soja é feita por rodovias, enquanto nos EUA, apenas 9%. Amaral comenta que há estradas em péssimas condições, mal sinalizadas e que o setor rodoviário é o menos adequado para transportes em longas distâncias. A segunda forma de transporte mais utilizada é a ferrovia, com 22%. Nos Estados Unidos, a participação é o dobro: 44%.

Porém, a questão é outra. Segundo Daniel Amaral, da Abiove, “dos 28.700 km de malha ferroviária, apenas um terço vem sendo efetivamente utilizado pelas concessionárias”. Ele defende que é necessário recuperar trechos e cobrar das concessionárias a efetiva operação da malha concedida. E a terceira opção de escoamento da produção – e mais barata – usada no Brasil é a que faz uso das hidrovias, contabilizando 6%. 

Nos Estados Unidos, o número chega a 47%. “Daí podemos ver quão mais competitivos são os EUA, ao utilizarem em larga escala os rios próximos às plantações de soja e milho”, comenta o gerente de economia da Abiove.

Ele acredita que faz falta uma política de planejamento em infraestrutura e logística alinhando as três esferas do governo: municipal, estadual e federal. O objetivo disso é impedir “que se criem obstáculos aos empreendimentos, sejam eles burocráticos ou de falta de pessoal”. 

Além disso, traria benefícios como o planejamento de eclusas na construção de hidrelétricas a fim de usar as águas dos rios não apenas para fornecimento de energia elétrica, mas para possibilitar o escoamento das safras de grãos. No Brasil há cerca de 42.000 quilômetros navegáveis, mas apenas 13 mil km são efetivamente utilizados.

Quem concorda que a infraestrutura logística é precária no Brasil é Fernando Sampaio, diretor executivo da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carnes (ABIEC). “Nosso transporte rodoviário é abaixo da crítica, o que faz com que seja mais caro transportar o container da indústria ao porto do que do porto a Hong Kong”. E, em termos de competitividade, o Brasil perde para Estados Unidos, Austrália, Uruguai e Argentina, já que todos têm maior facilidade e menor custo para escoar suas produções.

O analista em infraestrutura do Ministério do Transporte, Artur Limaverde, explica que há projetos para equilibrar o uso entre ferrovia, rodovia e hidrovia nos próximos anos. Ele afirma que o Brasil passará de um país que utiliza mais as rodovias para “uma matriz de transporte, em 2031, muito mais equilibrada com o modal ferroviário assumindo o papel principal com 43%, seguido pelo rodoviário com 38% e o aquaviário com 15%”. Além disso, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transporte (DNIT) está desenvolvendo obras no norte do país para descongestionar os portos das regiões Sul e Sudeste.

O escoamento da produção de carne bovina, algodão, soja entre outros produtos é dependente da qualidade das rodovias, que influenciam no tempo e no custo do frete ao porto. “A manutenção destas estradas, bem como a construção de novas opções de vias seria de grande valia. O problema é agravado pelo fato da carne, soja e outras commodities terem praticamente as mesmas rotas de escoamento” lamenta Fernando Sampaio, da ABIEC.

A pedra no caminho da logística brasileira é mais pesada do que parece. Com a produção batendo recordes de um lado, de outro temos imensas filas nos portos, congestionamentos, atolamentos de caminhões, pontes inacabadas, atrasos, desperdícios, acidentes e prejuízos. Ela não atinge apenas agricultores e pecuaristas. Também chega à casa de milhões de brasileiros que consomem produtos mais caros e produtores que perdem até um terço da renda com transporte.

Países de grande extensão como Canadá, Rússia, Estados Unidos e China, priorizam o uso de ferrovias, o que ainda não acontece no Brasil. Isso está ligado ao histórico do país, que inicialmente investiu em ferrovias e, a partir do governo Juscelino Kubistchek (1956-1961), deu prioridade para as indústrias automobilísticas e para a abertura de rodovias. Os setores ferroviário, aquaviário e rodoviário devem subsistir, em paralelo, e não excluir um ao outro, como foi feito no passado. O preço disso é cobrado até hoje não só para quem produz, mas também para quem consome.

Essa reportagem foi publicada originalmente no dia 10 de outubro de 2013 e ganhou o Prêmio de Jornalismo da Associação Brasileira do Agronegócio da Região de Ribeirão Preto (Abag-RP) do mesmo ano.