Agropecuária: fama e anonimato

Apesar de sustentar o país, uma das principais lutas do setor é ser valorizado. Por quê?

Texto e fotos: Paulo Palma Beraldo


























"No Brasil, parece que produtor rural é bandido”. A frase é ­forte, mas revela um pouco do sentimento dividido por diversas pessoas que trabalham com agropecuária no país. Ela foi dita por Anselmo Magno de Paula, agricultor e gerente da Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas (Cocapec) em Franca-SP, em uma palestra para estudantes no mês de agosto. “A sociedade precisa se sensibilizar, prestar mais atenção na força da agricultura no Brasil. O que é a nossa balança comercial sem o agronegócio?”, questiona.
Nas conversas com pessoas do setor, um ponto é certo: a agropecuária precisa ser mais valorizada no Brasil. De produtores a pesquisadores há reclamações e argumentos: “Se não fosse a agropecuária, o Brasil não seria o que é hoje”, diz o jornalista Antônio Reche, apresentador do programa Mercado Futuro, veiculado pelo Canal do Boi desde 2002.
As percepções são confirmadas por estatísticas. Em sua palestra no 13º Congresso Brasileiro do Agronegócio, realizado em São Paulo em agosto deste ano, o economista Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas, foi direto: “Podemos dizer que o crescimento da economia este ano está em grande medida ligado ao agronegócio”.

Os números confirmam: 41% das exportações brasileiras vêm do campo. O setor representa aproximadamente 25% da economia nacional. As vendas externas do agronegócio, por exemplo, superaram os 100 bilhões de dólares no ano passado.  Mas o que faz com que boa parte dos brasileiros não tenha uma visão condizente com a importância da agropecuária?
Anselmo Magno de Paula, em palestra na Cooperativa de Cafeicultores e Agropecuaristas (Cocapec) em
Franca/SP. 
Histórico
Bolívar Lamounier, cientista político e sócio diretor da Augurium Consultoria, diz que é necessário olhar para a história do Brasil para compreender o problema. Para ele, existe uma percepção negativa e preconceituosa do mundo rural. “É uma percepção enraizada em diversos fatores, alguns num passado histórico distante, outros de formação recente”, explica.
Segundo o cientista político, os fatores históricos estão relacionados ao medo que diversos políticos e intelectuais brasileiros tinham de que os grandes proprietários de terra se tornassem muito poderosos e criassem problemas para os seus governos.
A religião também contribuiu. “Sempre houve uma visão católica, para a qual a única propriedade rural legítima era a pequena propriedade familiar”. Segundo essa visão, ser proprietário de terras é quase como um “pecado”, enquanto que ser dono de imóveis e empresas nas cidades não é negativo.
Ambientalismo
O antropólogo e professor da Unesp de Bauru, Cláudio Bertolli Filho, afirma que o discurso ambientalista contribui para criar uma visão negativa da agropecuária, pois ora mostra o produtor como destruidor do meio ambiente, ora como ingênuo defensor. 
Portanto, para ele, é fundamental que o movimento ecológico veja o tema de outra forma, já que o homem depende da natureza para sobreviver e produzir. “Essa exploração do meio ambiente deve ser feita de uma maneira racional. É preciso encontrar pessoas especializadas na exploração racional dos recursos naturais e em preservação ambiental. Esse é o ecologismo que devemos desenvolver”.
No Brasil, 170 milhões de pessoas vivem nos centros urbanos; os outros 30 milhões, na zona rural. E as cidades precisam ser abastecidas com alimentos. Vale lembrar ainda produtos como móveis e o combustível dos carros. 
Para isso, é necessário produzir em larga escala com uso de tecnologias e altos investimentos. A pequena agricultura familiar pode complementar esse sistema, mas não ser considerada a única alternativa, diz Bolívar Lamounier.
Urbanização
Bertolli diz que o grande passo da modernização brasileira foi dado em 1930, quando Getúlio Vargas chegou ao poder. “Mesmo Vargas sendo proprietário de terras, apostou na industrialização e urbanização do país. 
E a partir dali se constrói a imagem negativa do mundo rural”, explica. “Nascia a ideia de que ser moderno é ser urbano e industrial, enquanto ser rural significaria ser atrasado”.
Segundo o antropólogo, desde os anos 1930 existe uma política governamental que apóia o urbano, a indústria e deixa de lado a agricultura, prejudicando quem trabalha com o setor. Ele cita o exemplo da infraestrutura logística do país, lembrando a baixa qualidade das rodovias por onde são escoados os produtos agrícolas. “Não deveria ser assim. Hoje, os principais produtos exportados brasileiros vêm da agropecuária”.
Para Bertolli, seria necessário que os grandes partidos se preocupassem mais com o setor. Ele, que já viveu nos Estados Unidos, diz que a população urbana americana sabe que depende do mundo rural para produzir seus itens necessários e exportar seus produtos. E isso tem reflexos na política local. 
“No programa dos partidos Republicano e Democrata (os principais), há condições e itens bem específicos em relação à economia e ao desenvolvimento da economia rural. Aqui, não temos praticamente nada, as propostas para o mundo rural são extremamente vagas”. 
Para ele, isso é uma ironia, pois a base da economia de exportação brasileira são os produtos agropecuários. “E ninguém ressalta isso, a não ser em época de eleição”, diz.
O veterinário Sebastião Costa Guedes, diretor do Conselho Nacional da Pecuária de Corte, diz que o Brasil tem uma “dívida de gratidão” com os agropecuaristas. No passado, o país, detentor de 27% das áreas agricultáveis do planeta, importava alimentos como arroz e carne. “Nos anos 1980, chegamos a importar carne de Chernobyl, na Ucrânia. E hoje o Brasil é o maior exportador de carne do mundo”, destaca.
Para Guedes, que viveu na Europa, o Brasil deve assumir sua vocação agrícola e se orgulhar dela, como ocorre em outras nações. “Grandes países como Estados Unidos, França, Alemanha e Itália têm indústria e agricultura fortes. Isso não tem problema nenhum. Mas aqui os brasileiros têm vergonha de viver em um país agrícola”, opina.
Ele acredita que a solução passe pela conscientização e educação das novas gerações. “Assim, daqui algumas décadas os brasileiros terão orgulho de ser um grande produtor de alimentos”. Na mesma linha, o jornalista Antônio Reche vê na educação uma boa forma de fazer com que a agropecuária seja mais valorizada pelos brasileiros. 
“Se começarmos a ensinar as crianças de onde vêm os alimentos e como são produzidos, teremos no futuro uma geração consciente que valoriza um dos principais setores do país”. Para ele, é necessário mesclar antigas lideranças com jovens entusiasmados para alcançar um futuro melhor. “Como qualquer setor, é preciso gente nova com ideias novas”, declara.
PioneirismoDesde 2011, o jornalista Ronaldo Luiz, assessor de imprensa na Sociedade Rural Brasileira, é editor do Sou Agro, plataforma digital ligada à Associação Brasileira de Marketing Rural e Agronegócio. 
O Sou Agro busca quebrar mitos que cercam o setor agropecuário e contar boas histórias do desenvolvimento que ele vem promovendo ao país. “O objetivo é valorizar a imagem da agropecuária nas cidades e conscientizar as pessoas da importância deste setor para o país”, resume.
Foto: Divulgação
A ideia do projeto é fazer a conexão entre o setor rural e ícones da cidade. Por exemplo: quando Steve Jobs, o fundador da Apple, faleceu, o Sou Agro fez uma matéria comparando a empresa americana e a tecnologia usada na produção de maçãs no Brasil. 
“A gente teve a ideia de aproximar um ícone totalmente digital e urbano e fazer uma analogia mostrando como é a tecnologia para se produzir maçãs”, conta Ronaldo.
O jornalista acredita que o projeto é marcante porque foi a “primeira vez que o setor entendeu que precisava criar um esforço concentrado de comunicação para dialogar com o público urbano”.
Inovação
Se hoje o Brasil é uma potência na agricultura, muito se deve ao trabalho das instituições de pesquisa. A mais antiga delas é o Instituto Agronômico de Campinas, o primeiro da América Latina, criado em 1887. 
Desde então, ele já desenvolveu mais de 1.000 novas variedades de plantas. Outro caso de sucesso é o da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, a Embrapa. Fundada em 1973, ela conta com aproximadamente 10 mil colaboradores e 46 unidades espalhadas por todos os estados brasileiros, com um orçamento superior a 2,5 bilhões de reais.
O trabalho fora dos laboratórios também é fundamental. No interior paulista, por exemplo, o Grupo Balbo iniciou o projeto Cana Verde em 1987, um sistema de produção de cana-de-açúcar sem o uso de agrotóxicos. As queimadas e o corte manual foram substituídos por colhedoras; no lugar de agroquímicos são usados métodos como a rotação de culturas, a adubação verde e o controle biológico de pragas e doenças. 
São 14 mil hectares de cana orgânica usados para produzir açúcar e etanol, segundo dados da empresa. E assim vão tantos outros, anônimos ou conhecidos, lutando para levar o Brasil cada vez mais longe.

Texto publicado originalmente no WebJornal da Unesp no dia 7 de setembro de 2014