Sequenciamento do genoma do trigo: novos paradigmas para a cultura

Novos avanços nas pesquisas conduzidas pelo Consórcio Internacional de Sequenciamento do Genoma do Trigo (sigla em inglês IWGSC – International Wheat Genoma Sequencing Consortium) foram divulgados recentemente na revista Science, numa série de quatro artigos. 

Com  trabalhos que iniciaram em 2005, envolvendo mais de 1000 pesquisadores em 57 países. Os resultados do IWGSC  contribuirão com o melhoramento genético de trigo na identificação precisa de genes relacionados com resistência/tolerância a doenças e a estresses abióticos, como déficit hídrico, temperaturas extremas, entre outros. 

O pesquisador Luciano Consoli (foto) trabalha no Núcleo de Melhoramento e Biotecnologia da Embrapa Trigo com experiência em genética molecular e proteômica vegetal e vai explicar a importância do sequencimento do genoma do trigo e as implicações na produção mundial de alimentos.

O que significa sequenciamento de um genoma?
Sequenciamento de genoma refere-se à obtenção ou desvendamento do código genético de forma organizada da espécie estudada. Em outras palavras, significa conhecer toda a sequência do DNA que compõe cada cromossomo de forma contínua, de uma extremidade até a outra. 

Podemos considerar três etapas fundamentais para a finalização do sequenciamento de um genoma:  obtenção de um grande número de sequências de DNA representando todos os cromossomos; desenvolvimento de um mapa físico, onde a ordem das sequências é estabelecida para cada cromossomo; produção de uma sequência de referência para cada cromossomo, incluindo a anotação, ou seja, a identificação de todos os genes presentes em cada cromossomo. 

Quais culturas já têm o código genético decifrado pelo sequenciamento?
Desde 2000, com o sequenciamento do primeiro genoma de uma planta modelo para estudos moleculares (Arabidopsis), temos hoje mais de 50 genomas de plantas finalizados ou em estado avançado de sequenciamento. 

Deste total, 40 genomas são de plantas de cultura. A ciência tem trabalhado no sequenciamento do genoma dos principais grãos de importância agrícola para garantir tanto o aumento no rendimento, quanto para a qualidade dos produtos, buscando processos que possibilitem o crescimento mais rápido na produção de alimentos. 

O primeiro cereal sequenciado foi o arroz, em 2002, seguido pelo milho em 2009. Os resultados no mapeamento genético do trigo começaram a aparecer em 2012. 

O sequenciamento do trigo foi concluído?
O trabalho publicado na revista Science em 18 de julho, faz referência à conclusão da primeira etapa e dos avanços realizados na segunda e terceira etapa. Subentende-se dessa forma que o trabalho ainda não terminou. 

A não conclusão do trabalho está explícita no próprio título do artigo com o uso da palavra “draft”, que pode ser traduzida como rascunho. A segunda etapa está bastante avançada, com a conclusão dos trabalhos para 12 dos 21 cromossomos do trigo. Apenas o cromossomo 3B apresenta as três etapas finalizadas. 

Segundo o IWGSC, serão necessários mais três anos para a conclusão dos demais cromossomos.

Por que o trabalho com trigo está demorando mais que as outras culturas?
O tamanho do genoma do trigo torna o sequenciamento muito complexo. O genoma do trigo é 5 vezes maior que o genoma humano. Apenas o cromossomo 3B do trigo é 2 vezes maior que todo o genoma do arroz. 

Além do tamanho, o trigo apresenta outros complicadores como elevada percentagem de sequências repetitivas e a natureza hexaplóide, com a presença de três genomas (A, B e D). Com essas caracterísitcas seria praticamente inviável a obtenção do genoma de referência usando ferramentas tradicionais de sequenciamento, mesmo as de nova geração. 

De forma inovadora, o IWGSC usou uma estratégia para a obtenção das sequências específicas para cada cromossomo. Diferente do habitual, o grupo decidiu primeiro isolar os braços curto e longo de cada cromossomo para, posteriormente, realizar a obtenção das sequências. 

Qual o uso destes dados?
Uma vez estabelecida a ordenação de todo o DNA do genoma do trigo, estudos e resultados mais precisos serão possíveis para o entendimento da estrutura, organização e evolução do genoma de uma das espécies mais importantes para a alimentação humana. Até o momento, já foram anotados mais de 124 mil genes no genoma do trigo. 

Esses resultados, mesmo que intermediários, apresentam potencial para diversas áreas como no desenvolvimento de marcadores moleculares, na identificação de proteínas de interesse reveladas em estudos de proteômica e para o isolamento de genes de interesse, como resistência a doenças, seca, estatura de plantas, qualidade, dentre outros. 

Além disso, a disponibilização de um genoma de referência facilita e acelera a obtenção de genomas de outras cultivares, servindo como molde. 

A capacidade de uso das informações geradas nesse tipo de estudo, atrelada à capacidade de desenvolvimento de materiais genéticos superiores e de outros produtos biotecnológicos pelas diferentes instituições e empresas aponta para um novo panorama de produção. 

Já estamos vivenciando um momento com produtos disponíveis com alta tecnologia incorporada, o que demanda uma maior capacitação dos produtores. Para a concretização dessa revolução, a evolução do potencial genético tem que ser acompanhado pelo desenvolvimento e emprego de métodos de manejo adequados e recomendados.

O que isso implica na nossa vida?
Apenas desvendar o genoma não traz impacto imediato na vida das pessoas. No entanto, o uso das informações geradas em programas de melhoramento genético proporciona a aceleração do processo de desenvolvimento de cultivares. 

Com isso, o produtor pode ter acesso com maior rapidez a cultivares mais eficientes, tanto do ponto de vista a problemas tradicionais quanto do surgimento de novas adversidades à cultura. 

Assim, o sequenciamento por si só não altera em nada o processo de melhoramento genético, mas a utilização do conhecimento gerado e o emprego nos processos de melhoramento genético podem resultar em benefícios para o produtor, como cultivares mais produtivas, com melhor sanidade e mais preparadas para um cenário de mudanças climáticas. 

Para o consumidor, podemos prospectar alimentos mais nutritivos, com maior durabilidade e qualidade e, quem sabe, menor preço em função do maior volume de produção a custos mais baixos na customização dos insumos.

Estamos diante de uma revolução na ciência do trigo?
Estamos vivenciando, nos últimos dez anos, um momento de grande mudança nos estudos genéticos genômicos. O desenvolvimento e a redução no custo de tecnologias de sequenciamento e de genotipagem em larga escala, associados ao surgimento de novos modelos genético-estatísticos, apontam para um aumento da eficiência dos programas de melhoramento usando abordagens de melhoramento molecular, estudos de associação genômica ampla e de seleção genômica ampla. 

Aqui, o termo eficiência deve ser entendido tanto na redução do tempo necessário para lançamento de novas cultivares atendendo às constantes demandas do mercado, quanto para geração de materiais genéticos com incrementos de produtividade. 

Não esquecendo a necessidade do avanço e da aplicação, por parte dos produtores, de métodos de manejo recomendados. Assim, há uma grande perspectiva que essa eficiência se traduza no aumento da produção de alimentos. 

Acredito que este é o caminho para, num cenário otimista, atender a crescente demanda de trigo com o aumento da população mundial, cujas estimativas apontam a necessidade de aumentar em 70% a produção de trigo até 2050. A domesticação do trigo aconteceu na Ásia em 7.000 a.C. Historiadores acreditam que o cultivo do cereal foi o principal motivo para o abandono da vida nômade do homem pré-histórico.

O genoma do trigo de 17.000 Mb é aproximadamente:

121x  maior que o genoma de A. thaliana (140 Mb);

47x maior que o de Arroz (355 Mb)

7x maior que o do Milho  (2.300 Mb)

3,4x maior que o da Cevada (5.000 Mb)
5,6x maior que o genoma humano (3.000 Mb)

Fonte: Joseani Antunes/Embrapa Trigo
Foto: Joseani Antunes/Embrapa Trigo