Como as variações climáticas afetam a produção agropecuária?

Paulo Palma Beraldo

Você tem notado as mudanças climáticas? Um dia muito quente, outro muito frio. Pancadas de chuva assustadoras.


Se esses extremos afetam as cidades, mais ainda a agropecuária. 

Sendo a água o principal insumo, excesso ou falta dela causam estragos irreversíveis.

Para entender melhor como as mudanças climáticas afetam a produção agropecuária, alguns pesquisadores estudam a agrometeorologia.  


É o caso do agrônomo Paulo Henrique Caramori, que fez seu mestrado no tema e foi para os Estados Unidos fazer um doutorado na McGill University, em 1992. Foi também presidente da Sociedade Brasileira de Agrometeorologia entre 2003 e 2005. 

Atualmente Paulo Henrique Caramori é pesquisador aposentado do Instituto Agronômico do Paraná, onde coordenou programas de monitoramento agroclimático e zoneamento agrícola no estado.

Abaixo, os melhores trechos da entrevista concedida ao De Olho no Campo.  


Como e quando o senhor começou a trabalhar com agrometeorologia? De lá para cá, quais as mudanças que o senhor presenciou na agricultura e no clima?
Venho trabalhando com agrometeorologia desde a década de 80. Nesse período houve uma expansão da fronteira agrícola, com aumento de área das culturas anuais como soja e milho e também da cana-de-açúcar. 

A ocupação de novas áreas que antes eram florestas ou cultivos perenes provocou degradação dos solos, erosão, assoreamento de nascentes e poluição por agrotóxicos. Por outro lado, o uso da tecnologia propiciou grandes ganhos em produtividade e produção agrícola. 

As análises das séries históricas com mais de 40 a 50 anos de dados meteorológicos em geral já revelam aumentos significativos nas temperaturas mínimas, indicando que as noites estão se tornando mais quentes, os invernos mais curtos e com menos geadas. 

Em função disso as temperaturas médias têm indicado tendências de elevação. Nos últimos anos têm sido batidos recordes de chuvas intensas, indicando que o clima está com tendência de tornar mais extremo no futuro.

Como a agrometeorologia pode ajudar a mitigar os efeitos das mudanças climáticas em curso no planeta?
Há uma série de práticas que possibilitam amenizar os extremos de temperatura. Por exemplo, o uso de árvores associadas com os cultivos, nos chamados sistemas agroflorestais pode contribuir para formar microclimas mais amenos. 

A consorciação de árvores com a lavoura do café pode evitar que o excesso de calor impeça a produção. O próprio sistema de plantio direto, com formação de palha densa sobre o solo, contribui para melhorar a retenção da umidade, permitindo tolerar os efeitos dos veranicos e impedir o excesso de aquecimento do solo durante o dia. 

Existem regiões que anteriormente eram marcadas pela plantação de algumas culturas que atualmente não são mais viáveis. Como o senhor enxerga o papel da irrigação nesse processo?
A irrigação é uma prática importante para eliminar o risco da falta de chuvas e possibilitar a obtenção de elevadas produtividades. Também o problema do excesso de calor pode ser mitigado com a irrigação, pois por meio da evaporação e da transpiração é consumido calor da superfície, contribuindo para reduzir o estresse das plantas.

Existem estudos que dizem que nos próximos 100 anos a temperatura pode subir até 4 graus. Quais culturas serão as mais afetadas por esse processo no Brasil e no mundo?
Algumas culturas são muito sensíveis a temperaturas elevadas e outras necessitam de repouso durante o inverno para florescer e produzir. Assim, por exemplo, a cultura do café arábica seria muito afetada, pois a planta não tolera temperaturas elevadas no período de floração, assim como o feijão. 

A cultura do milho teria grandes quebras de rendimento, devido ao aumento da respiração noturna, que faz com que os ganhos da fotossíntese sejam consumidos, afetando assim a produtividade. Culturas como a cana de açúcar são mais tolerantes ao calor.

Quais são os conhecimentos básicos de agrometeorologia que um técnico deve ter para desenvolver um bom trabalho?
A agrometeorologia é uma área do conhecimento que interage com diversas outras, pois as condições do meio ambiente afeta toda a fisiologia da planta, bem como as pragas, doenças, ervas daninhas. 

O técnico deve saber consultar as informações sobre previsões do tempo e projeções climáticas e analisar as condições para a sua lavoura. O balanço hídrico é uma excelente ferramenta para monitorar as condições de produtividade da lavoura. 

Alguns conceitos simples como evapotranspiração, graus dia de crescimento, água disponível no solo, horas de frio acumuladas, todos obtidos a partir de dados gerados em estações meteorológicas são importantes para o bom uso da informação e auxílio nas tomadas de decisão.

Quais as principais diferenças entre os cultivos de café de sequeiro e cultivos irrigados no Paraná? 
Com a irrigação é possível garantir o pegamento inicial das mudas e a sua formação vigorosa, independente das condições do tempo. Na fase produtiva também se garante a elevada produtividade e boa formação dos grãos. 

O clima é um insumo grátis, que se bem utilizado pode atuar a favor do produtor. É preciso identificar as condições do local ou região que se quer cultivar, identificar quais culturas têm melhor condições de produzir e os fatores que restringem a produção. 

No caso de deficiência hídrica, buscar o uso da irrigação para superar esta limitação, ao invés de correr riscos elevados de perdas. 

Hoje não há mais dúvidas que as ações do homem estão provocando alterações no clima do planeta. É preciso utilizar melhor as práticas disponíveis para produzir de maneira sustentável e rentável.