Uso consciente da água é tendência na agricultura irrigada

Em tempos de mudanças climáticas, especialistas apontam a irrigação como ferramenta essencial para a produção de alimentos no planeta

Texto e fotos: Paulo Palma Beraldo

Uma das principais regiões produtoras de frutas do Brasil e o segundo maior pólo da produção de vinhos. Onde? 

No Nordeste, na região do Vale do Submédio São Francisco, de clima mais seco do país. 

São mais de 100 mil hectares irrigados e há potencial para duplicar esse número, conforme explica o agrônomo Giuliano Pereira, pesquisador em estudo dos vinhos da Embrapa Uva e Vinho/Semiárido, em Petrolina-PE. “A irrigação e a tecnologia são essenciais para a existência da fruticultura e da produção de uvas para processamento na região”.

O cultivo de uvas para a produção de vinhos no Nordeste é um dos mais tecnológicos do mundo e não há desperdícios. “Além da irrigação, existe um manejo da videira que faz com que o produtor escolha quando ele quer produzir e colher as uvas,” diz o especialista, que vê a irrigação como uma excelente ferramenta para a agropecuária. 

“O objetivo é fornecer às plantas uma quantidade tal de água para garantir a sobrevivência e a produção”, resume. No Nordeste, o uso das águas do rio São Francisco para a irrigação permitiu o desenvolvimento da fruticultura desde os anos 1960, sendo que a produção de uvas para vinhos começou nos anos 1980.

Assim como na região de Petrolina, o estado de Goiás é um dos locais onde a agricultura irrigada está mais desenvolvida. Goiás tem condições propícias para a irrigação e “tem despontado muito graças à abundância de água, ao clima favorável, ao solo e ao relevo”, diz o assessor técnico da Federação da Agricultura do Estado de Goiás (Faeg), Alexandro Alves. 

“Nós temos um dos maiores pólos de irrigação da América Latina”, acrescenta. A mão de obra também é beneficiada, já que existe trabalho durante todo o ano, diz ele.

A especialista em recursos hídricos da Agência Nacional de Águas, Cristianny Teixeira, relata que 40% da produção mundial de alimentos vêm da agricultura irrigada. Para ela, irrigar é uma possibilidade importante de desenvolvimento econômico e social para o Brasil, que já conta com 5,8 milhões de hectares irrigados.

“As ações do homem estão provocando alterações no clima”
O ano de 2014 começou trazendo preocupação para agricultores e pecuaristas. O verão foi o mais quente dos últimos 53 anos. Reservatórios de água atingiram níveis calamitosos. Com a seca e o calor, o preço dos alimentos subiu e a produção caiu. 

Atentos às mudanças climáticas, alguns pesquisadores estudam a agrometeorologia, área voltada em pesquisar as relações entre as condições meteorológicas e seus impactos na produção agropecuária­­­­­.

O agrônomo Paulo Caramori, do Instituto Agrônomico do Paraná, trabalha com o tema desde os anos 1980. Paulo conta que dados meteorológicos com mais de 50 anos indicam um aumento significativo na temperatura. 

“As noites estão se tornando mais quentes, os invernos mais curtos e com menos geadas. O clima está com tendência de se tornar mais extremo no futuro”, diz.

Em um cenário onde o clima se mostra cada vez mais instável, Paulo Caramori vê a irrigação como uma ferramenta essencial para diminuir o risco da falta de chuvas e possibilitar a obtenção de uma boa produção, independentemente das condições climáticas. 

O especialista enumera algumas culturas sensíveis a altas temperaturas, como o café, o feijão e o milho, importantes na dieta dos brasileiros. “O problema do excesso de calor pode ser reduzido com a irrigação”, afirma.

Água vem do reservatório, passa pelo filtro (Foto 1) e vai para as mangueiras (detalhe foto 2). A Fazenda São João, em Cafelândia-SP, planta aproximadamente meio milhão de pés de pimentão irrigados anualmente. Créditos: Paulo Palma Beraldo

Panorama
O presidente da Associação Brasileira de Irrigação e Drenagem (ABID), Helvécio Saturnino, conta que o universo da agricultura irrigada é amplo e formado por produtores de diferentes portes, além de organizações como cooperativas de produção, de crédito, de eletrificação rural, empresas fornecedoras de equipamentos como mangueiras, motores, filtros entre outros. 

O presidente da ABID diz ainda que o Brasil tem uma grande base de pesquisa nas universidades. “O país atraiu as melhores empresas de equipamentos, com fábricas e redes de vendas que atendem o que for considerado de mais avançado no mundo”.

Em Minas Gerais está em curso a iniciativa do Plano Diretor em Agricultura Irrigada. Segundo Helvécio, um dos objetivos desse trabalho é facilitar a liberação de outorgas, já que sem elas as instituições financeiras não podem liberar o crédito para o produtor.

Pólo de pesquisa
A Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz” (ESALQ), situada em Piracicaba-SP, é um dos principais centros de pesquisa em irrigação do Brasil. Os engenheiros agrônomos Marcos Amaral e Vanessa Grah vieram de outros estados para se especializar na ESALQ. 

Marcos explica que, de forma geral, lá existem três linhas de pesquisa relativas à irrigação: manejo da irrigação, engenharia da irrigação e física do solo.

Estufas da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz”, ESALQ, em Piracicaba-SP. Na foto 1, experiência de irrigação em pastagens, seguidas de café (2) e cana-de-açúcar (3). 
"Irrigar não é só ir lá e jogar água. É bem mais complexo”, esclarece Vanessa. “Cada solo tem um manejo específico pela sua capacidade de retenção de água”. A pesquisadora alerta que excesso de água pode causar erosão no solo e até retirar os nutrientes, processo conhecido como lixiviação. “É preciso entender que se a irrigação for feita de forma adequada, ela traz ganhos e não desperdiça água”.

“O objetivo das pesquisas é aperfeiçoar as tecnologias, gerar mais dados e detalhar as informações para aqueles que têm interesse na irrigação”, resume Marcos Amaral. Na ESALQ existem projetos de irrigação de café, cana de açúcar, pastagem, pimenta, pupunha, citros, frutas entre outros.

Em expansão
A Agrishow, maior feira de tecnologia agrícola do Brasil, realizada em Ribeirão Preto-SP, contou com mais de doze estandes de empresas de irrigação. Uma delas foi a Valley Valmont, presente no Brasil há 35 anos e líder mundial de equipamentos de pivô central.

O engenheiro agrônomo Hiran Moreira é diretor da Irriger, empresa do grupo Valmont que presta serviço em gerenciamento e engenharia de irrigação, dando suporte para implantação de novos projetos e gestão dos já existentes. 

Agrishow, em Ribeirão Preto-SP, recebeu várias empresas da área de irrigação. Pivôs centrais foram instalados para os visitantes conhecerem a tecnologia (Foto 1). Pivô é configurado para irrigar somente o necessário para cada área e cultivo, evitando desperdícios. Estande da empresa que mais comercializa pivôs no Brasil e no mundo. (Foto 2). 
Hiran Moreira conta que 5% da área produtiva do Brasil é irrigada, representando 16% da produção agrícola nacional e 35% do valor econômico da nossa produção agrícola. “Isto se dá pelo uso de culturas de maior valor agregado, uso de maior nível tecnológico e maior eficiência de produção por área quando é utilizada a irrigação”, enfatiza. 

Hiran ressalta que o custo do investimento por hectare varia de acordo com o contexto de cada propriedade. Mas, considerando o projeto como um todo – incluindo o investimento em infraestrutura e montagem – o valor fica entre R$ 7000,00 e 8.000,00/hectare. 

Nos estudos de análise de investimento  realizados pela Irriger, constata-se que, em média, em até quatro anos é possível pagar o investimento inicial.

A segurança em investir em irrigação é tamanha que quem inicia o investimento em irrigação dificilmente deixa de utilizar a tecnologia, diz o agrônomo. “A maior parte dos projetos que temos são para expandir áreas irrigadas já existentes”. 

Ele lembra que a irrigação maximiza o uso da área e pode até triplicar renda e produção. “A irrigação assegura que o principal insumo, a água, vai chegar até a cultura e garantir uma produtividade alta”.

O agricultor Anderson Mocci, de Potirendaba-SP, estava visitando a Agrishow e passou pelo estande da Valley Valmont. Ele instalou um pivô central em parte de sua propriedade, onde planta soja e milho. E está satisfeito: “é uma produção totalmente diferenciada. No decorrer do ano, pretendo ampliar a área”, diz.

Desafios
No ano de 2013, foi implantado pelo governo federal o Programa Mais Irrigação, com investimentos de R$ 10 bilhões. A meta é aumentar a área de agricultura irrigada no Brasil, atualmente próxima dos cinco milhões de hectares, com potencial de atingir 30 milhões. Para se ter uma ideia, os Estados Unidos irrigam cerca de 26 milhões de hectares.

Cristianny Teixeira, da Agência Nacional de Águas, cita alguns obstáculos para o desenvolvimento da agricultura irrigada: “Temos dificuldades de estruturar as propriedades para o armazenamento de água, fundamental para a irrigação”. Ela cita ainda a burocracia na obtenção da licença para uso da água, a outorga.

Outros problemas são os altos custos dos equipamentos, as dificuldades de acesso a crédito e a falta de disponibilidade de água e energia elétrica em algumas regiões. Hiran Moreira, engenheiro agrônomo da Irriger, sintetiza a questão: “O que o produtor rural precisa é que o governo não atrapalhe. Prestando um pequeno auxílio já é uma alavanca muito grande”.


Mais de 70% do uso da água consumida no mundo vai para a agricultura, portanto evitar o desperdício é a regra. “É necessário planejar o uso dos recursos hídricos de maneira adequada, para que a irrigação seja feita de forma consciente e atenda ao maior número possível de produtores sem causar impactos ambientais e potencializando ao máximo a produção”, diz Hiran Moreira.

Reportagem publicada originalmente no WebJornal da Universidade Estadual Paulista e finalista do 13ºPrêmio Massey Ferguson de Jornalismo