Cem maneiras de preparar o pinhão

O consumo do pinhão, a semente da araucária, também conhecida como pinheiro-do-paraná, ganha novas possibilidades de uso. O livro "O pinhão na culinária", lançado dia 14 de junho, no Mercado Municipal de Curitiba (PR),  oferece uma centena de diferentes formas de consumo do pinhão, além de simplesmente cozido ou sapecado. 

São receitas doces e salgadas, todas testadas e avaliadas - explica a pesquisadora Rossana Catie Bueno de Godoy, da Embrapa Florestas (Colombo/PR) e uma das autoras. 

- Há muitos novos sabores e combinações. O interessado vai perceber como o pinhão é versátil - afirma a professora Maria de Fátima Negre, do Colégio Julia Wanderley (Curitiba/PR),  co-autora da obra.

Esta iguaria típica do Sul do país é conhecida pelo aporte de energia e calorias que pode fornecer para trabalhadores, atletas, crianças e adolescentes em fase de crescimento. Mas é seu potencial como alimento funcional que tem atraído o interesse dos pesquisadores. "É um alimento sem glúten, com altos teores de proteínas, fibras alimentares e amido", explica Cristiane Helm, pesquisadora da Embrapa Florestas (Colombo/PR). O desenvolvimento de diferentes produtos como snacks e chips à base de pinhão são estudados pelos benefícios à saúde, uma vez que sua composição nutricional indica que é um alimento funcional. 

- Estamos testando a produção de farinhas, extrusados, barrinhas de cereais e mesmo o amido isolado - explica Carlos Wanderlei Piler de Carvalho, pesquisador da Embrapa Agroindústria de Alimentos (Rio de Janeiro/RJ). Os alimentos extrusados, como snacks e chips, possuem alto valor agregado. Quando o processo é empregado adequadamente, o valor do produto final pode ser 2.000% maior que a matéria-prima. 

- No caso do pinhão, há alta expansibilidade e textura aerada no material, o que indica que o desenvolvimento de produtos tendo o pinhão como matéria-prima é bastante promissor - explica Carlos Carvalho. A pesquisa é realizada em parceria com a Universidade Federal do Paraná. Já para as barras de cereais, segundo a professora Lorena Tavares, da Universidade Regional de Blumenau, "resultados de pesquisas indicam que a farinha da casca do pinhão promove efeito antioxidante, podendo ser utilizada como ingrediente funcional".

A pesquisadora Cristiane Helm chama a atenção para o fato de que, "por ter menor teor lipídico e não ser tão doce, seu uso pode estimular a produção de barras salgadas, menos calóricas e mais saudáveis". Ela explica que, "por ser rico em fibras, o consumo de pinhão pode ajudar a prevenir doenças intestinais. Também possui minerais como cobre, zinco, manganês, ferro, magnésio, cálcio, fósforo, enxofre e sódio. O potássio, em especial, ajuda a controlar a pressão arterial". 

Ainda no pinhão são encontrados os ácidos graxos linoleico (ômega 6) e oleico (ômega 9), que contribuem para a redução do colesterol do sangue, ajudando na prevenção de doenças cardiovasculares. Há, ainda, outras características favoráveis à saúde, como baixo índice glicêmico, compostos antioxidantes. "No caso do amido resistente", explica Helm, "sua concentração de 3% no pinhão indica que pode ajudar na redução da glicemia".

Árvores mais baixas e produção o ano todo

A colheita do pinhão ainda é artesanal e extrativista e ocorre quando estão maduros, geralmente entre abril e junho. O pinhão é encontrado em forma de pinha nos galhos das árvores fêmeas da araucária, a pelo menos 8 metros de altura. 

Quando amadurece, a pinha cai e solta o pinhão. Com o objetivo de melhorar este processo e fazer com que o pinhão seja uma fonte de renda sustentável para produtores rurais, estão sendo realizadas pesquisas com melhoramento genético e propagação de plantas. A intenção é desenvolver metodologias e protocolos para que seja possível viabilizar pomares de pinhão com as pinhas acessíveis a, no máximo, 2 a 5 metros de altura.

Uma árvore-fêmea de araucária começa a produzir flores (estróbilos femininos) com cerca de dez anos de idade e estas serão polinizadas dali a dez a doze meses. As pinhas, fruto desta polinização, produzem pinhões 16 a 22 meses depois. Com todo este processo, uma araucária fêmea vai começar a produzir pinhões com 12 a 15 anos de idade. 

Algumas árvores produzem os chamados pinhões precoces, que ficam prontos para colheita em fevereiro e março. Da mesma forma, outras árvores produzem pinhões tardios, que podem ser coletados geralmente até o mês de setembro. "A proposta é desenvolvermos plantas que produzam pinhão praticamente o ano inteiro, que iniciem a produção antes dos 12 anos de idade e cresçam a uma altura que facilite a colheita da semente", explica o pesquisador Ivar Wendling.

Para isto, estão sendo desenvolvidos protocolos para produção de mudas a partir da enxertia de brotos da copa da árvore. "Poderemos ter árvores novas mas com a ‘idade' da árvore-mãe e, portanto, aptas a começar a produzir sementes em muito menos tempo", explica Wendling. A expectativa é que árvores com seis anos possam começar a produzir pinhão. "Esperamos em até três disponibilizar a metodologia", afirma o pesquisador. 

Desta forma, será possível selecionar árvores-matrizes com as características desejadas pelo mercado, como composição nutricional diferenciada, formato e cor do pinhão, época de produção, entre outros. Outra grande vantagem deste processo de propagação da araucária é a definição prévia de sexo das plantas, o que na produção de mudas via semente só é possível quando as plantas iniciam o florescimento.

Um desafio que corre em paralelo ao desenvolvimento de produtos é a conservação pós-colheita. "Por ter alto teor de umidade, a conservação in natura do pinhão não é viável, pois a semente se deteriora em cerca de dois a três meses, dependendo da forma de armazenamento", explica a pesquisadora Rossana Catie Bueno de Godoy, da Embrapa Florestas. 

- Em parceria com a Universidade Federal de Santa Maria, estamos analisando diferentes formas de armazenamento e realizando análises químicas e sensoriais: quais as alterações de pH, teor de açúcares, mudam a cor, a textura e o sabor? - explica a pesquisadora. A intenção é viabilizar o armazenamento e conservação do pinhão e possibilitar seu consumo durante o ano inteiro. "O incentivo ao consumo também é uma forma de estimular a preservação da espécie e gerar renda aos produtores rurais", enfatiza a pesquisadora.

Casca, de resíduo a artesanato

Outro desafio é o resíduo gerado pelo consumo do pinhão: a casca. A tecnologia da madeira sugere formas para utilização deste resíduo, em especial com a produção de compósitos termoplásticos. Uma pesquisa está testando a junção da casca do pinhão com polipropileno, que dá origem a uma placa com boa resistência química e moldável - que pode ser utilizada em artesanato. 

Neste caso, a casca do pinhão passa por um processo de secagem e trituração para, então, ser misturada ao polipropileno e ser prensada, formando as placas. "O polipropileno mais comum é derivado de petróleo, o que tornaria o produto parcialmente ecológico. Já temos no mercado polietileno à base de cana-de-açúcar, que gera um produto similar, mas com um apelo maior de sustentabilidade", afirma o pesquisador Washington Magalhães.

Trabalho realizado por alunos do último ano do curso de Design da Unibrasil, de Curitiba/PR, mostrou opções de composição. Segundo Vrande de Santana Pereira, um dos participantes do projeto, "é diferente de tudo que utilizamos até agora. Foi necessário pesquisar sobre as propriedades e realizar testes para entender como pode vir a ser empregado. É uma oportunidade ótima. O comércio da casca de pinhão pode gerar renda complementar e incentivar sua conservação dentro de pequenas propriedades. Além disso, promoveria o uso sustentável de um recurso natural ameaçado". Os próximos passos são analisar a resistência térmica e mecânica das placas bem como formas de acabamento. "Acreditamos que uma pequena planta industrial possa trazer uma alternativa de renda para artesãos", avalia Magalhães.

Fonte: Katia Pichelli/Embrapa Florestas
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