Melhoramento preventivo diminui riscos de ameaça aos bananais

Há um grande risco de entrada no Brasil da raça 4 tropical de Fusarium, fungo causador do mal-do-Panamá. Também chamado de TR4, da sigla em inglês "Tropical Race 4", afeta a maioria das variedades da cultura da banana cultivadas no País. 

Antes restrita ao Sul da Ásia, onde sua rápida e agressiva disseminação tem provocado severas perdas em países como Filipinas, Taiwan, Indonésia e China, o TR4 foi detectado recentemente em plantações da África. Caso essa raça chegue aos bananais do continente americano, especialistas afirmam que os dias das variedades Cavendish, que inclui a banana Nanica, poderão estar contados.

Segundo esses cientistas, sua chegada às Américas é uma questão de tempo. Existem hoje pelo menos 50 variedades suscetíveis ao TR4, o que converte esse patógeno em uma séria ameaça para a bananicultura mundial.

Nesta semana, a Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) emitiu um alerta sobre o retorno do mal-do-panamá. Conforme a entidade, o TR4 pode causar prejuízos de US$ 5 bilhões por ano.


Um cenário já visto
A partir da década de 1970, o brasileiro viu praticamente desaparecer de sua mesa uma de suas bananas preferidas, a do tipo Maçã. O consumo e a comercialização dessa banana quase chegaram ao fim em função do mal-do-panamá, mais precisamente a raça 1 do fungo causador dessa doença (Fusarium oxysporum f. sp. cubense). 

O mesmo cenário ocorreu com a variedade Gros Michel na maioria das áreas produtoras do mundo. Desde então, variedades do subgrupo Cavendish, resistente à raça 1 e uma das principais hoje para exportação, foram introduzidas. Agora, há a preocupação de que o quadro se repita com Cavendish e com as principais cultivares do mercado interno, Prata e Maçã.

O melhoramento genético para fazer frente a pragas quarentenárias de alto impacto socioeconômico deve ser preventivo, e a Embrapa Mandioca e Fruticultura (Cruz das Almas, BA) já tem experiência no caso da Sigatoka-negra, outra doença da bananeira que foi constatada no País em 1998. As cultivares desenvolvidas pela Embrapa resistentes a essa doença, até então desconhecida no Brasil, foram disponibilizadas aos agricultores da região.

- Foi a salvação para aqueles produtores, pois era uma doença nova, não tínhamos tecnologia e produtos para controle, além de que as condições no Norte eram totalmente favoráveis ao desenvolvimento da doença - conta Edson Perito Amorim, líder do Programa de Melhoramento Genético da Bananeira da Embrapa.

A prevenção como caminho
Para o estudo do TR4, a Embrapa tem parcerias com instituições de pesquisa de países onde a doença já está presente, como a Universidade de Queensland, na Austrália, e a Academia de Ciência de Guangdong, na China, ou em locais que possam trabalhar com o patógeno sem riscos, como a Universidade de Wageningen, na Holanda. Com essa parceria, já foram concluídos trabalhos para desenvolvimento de um método de diagnóstico específico para TR4 e validadas metodologias para seleção de materiais resistentes.

Em parceria com o Centro de Energia Nuclear na Agricultura da Universidade de São Paulo (Cena/USP), alguns dos genes de resistência à doença foram identificados. Essa descoberta abre perspectivas para a obtenção de variedades resistentes. 

- Em nossa coleção de germoplasma, alguns materiais já foram identificados como resistentes em outros países. Estamos fazendo cruzamentos já há dois anos. Então é possível que a gente já tenha soluções -  afirma Amorim. Ele é enfático ao afirmar que não existe nenhum programa de melhoramento no mundo que faça o que a Embrapa faz: desenvolver cultivares resistentes ao mal-do-Panamá por meio de cruzamentos. "Por isso temos a melhor condição de buscar a solução via controle genético dessas doenças", diz o pesquisador.  

As linhas de ação
Os resultados do trabalho do pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura, Miguel Dita, revelaram que as variedades mais consumidas no país são altamente suscetíveis ao TR4. 

- Testamos em casas de vegetação na Holanda nossas variedades para entender o processo de interação planta-patógeno que gerou informações sobre como a planta reage ao TR4. Os resultados colocaram a Prata e a Maçã (que respondem por 70% do mercado interno) como suscetíveis. Esses dados foram importantes para ter a confirmação do risco que representa o TR4 para o Brasil - explica Miguel Dita.

Na Bioversity International, onde Dita atuou nos últimos três anos, também foram realizadas ações com TR4. Uma delas foi a elaboração de um plano de contingência/contenção para um eventual surto do fungo. O objetivo é dotar os países com conhecimentos sobre a doença, para facilitar a detecção da incursão do patógeno e adoção de medidas para conter ou confinar o patógeno e evitar sua disseminação. 

Alguns países na América Latina e Caribe já iniciaram processos de vigilância fitossanitária e estão adotando medidas baseadas nesse plano, ferramenta básica para detecção de focos da doença - conta Dita. O plano é de livre acesso e também deverá ser implementado no Brasil.

Em outra linha de ação, um projeto financiado pela plataforma Marketplace, que tem como líderes a Bioversity International e a Embrapa, realiza pesquisas sobre manejo do solo na Costa Rica e Nicarágua conjuntamente com parceiros desses países. Fernando Haddad, fitopatologista da Embrapa Mandioca e Fruticultura, explica que mesmo com um material resistente, a população do patógeno no solo precisa ser manejada para aumentar a durabilidade da resistência.

Vale ressaltar que a Embrapa já tem materiais lançados resistentes à raça 1 que ocorre no Brasil, como ‘BRS Platina' (tipo Prata) e ‘BRS Princesa' (tipo Maçã). "Precisamos verificar qual o comportamento dessas cultivares frente ao TR4", acrescenta Haddad.

Preocupação do setor bananeiro
É grande a preocupação do setor bananeiro em relação ao TR4, pois o mal-do-Panamá não tem controle, diferentemente das sigatokas e de outras doenças. 

Se a doença estiver presente na área e a variedade for suscetível, há risco potencial de 100% de perda da produção. E a preocupação é grande porque estamos falando de uma doença que ataca uma commodity, a da variedade Cavendish. Toda a banana exportada para a Europa e os Estados Unidos é Cavendish - contextualiza o pesquisador.

O fungo pode entrar por diferentes vias: solo contaminado carregado em sapatos, ferramentas, mudas de bananeira (visivelmente sadias, mas infectadas) e plantas ornamentais, que podem também ser hospedeiras. "É muito importante que as medidas de quarentena em portos e aeroportos e pontos fronteiriços sejam restritas nesse sentido", frisa Haddad.

O fitopatologista afirma que as pesquisas já desenvolvidas pela Embrapa em relação às raças existentes no Brasil, sejam na área de melhoramento genético quanto na de manejo da doença, são um marco referencial para o combate de um eventual surto de TR4 no país. Hoje, a Embrapa já faz monitoramento das populações do patógeno existentes no território brasileiro, o que auxiliará na seleção e na recomendação de variedades e até numa detecção oportuna de um foco de TR4.

Luis Pérez, pesquisador do Instituto de Pesquisa de Sanidade Vegetal (Inisav), de Cuba, parceiro da Embrapa nas pesquisas relacionadas ao TR4, salienta que a entrada da nova raça nas Américas pode ser "desastrosa" para a indústria de banana e também para a segurança alimentar: 

- Essa raça é muito nociva às Cavendish e a outros clones suscetíveis às raças 1 e 2. Entre os principais exportadores do mundo, estão vários países da América Latina, nos quais a exportação de banana é um componente principal do produto interno bruto da nação. O fungo também pode infectar os clones que hoje ocupam 80% da produção mundial.

A situação do TR4 no mundo
A doença está presente na Austrália, Filipinas, Malásia, Indonésia, Taiwan, China, Omã, Jordânia e recentemente foi relatada na África (Moçambique). Miguel Dita afirma que não existem dados exatos sobre a quantidade de áreas afetadas em nível global, mas na Indonésia, por exemplo, em apenas três anos (2000-2003), a área plantada na Sumatra Ocidental caiu de 1400 hectares para 715 hectares. 

"Na China, já há mais de 40 mil hectares afetados. No caso de Taiwan, a exportação para o mercado japonês caiu exponencialmente de 2000 a 2008, passando de 350 milhões a 50 milhões de caixas", informa. Essas áreas estão condenadas para o cultivo de banana, uma vez que o fungo é um habitante do solo e consegue sobreviver, mesmo na ausência da bananeira, por mais de 30 anos.

Fonte: Alessandra Vale/Embrapa Mandioca e Fruticultura 
Foto: Paulo Palma Beraldo/De Olho no Campo