Especial: Entrevista com engenheira agrônoma da ESALQ especialista no cultivo de framboesas


Paulo Palma Beraldo

O De Olho no Campo entrevista hoje a engenheira agrônoma Jaqueline Visioni Tezotto-Uliana, do programa de pós-graduação em fitotecnia (estudo das plantas) da ESALQ, de Piracicaba-SP.  

Jaqueline concluiu seu mestrado no ano de 2012 com um trabalho sobre métodos e técnicas de conservação da framboesa após sua colheita. Um dos principais entraves da fruta é seu curto período de comercialização. Conforme explica Jaqueline, em média elas perdem valor comercial em 48 horas.

- As frutas vermelhas são extremamente perecíveis e delicadas, de forma a exigir cuidados especiais e tratamentos pós-colheita. Se a pós-colheita não for eficiente e não estender a vida útil, o gasto com o cultivo é inviabilizado.

Jaqueline diz que as pesquisas que visam aumentar a vida útil das frutas são importantes para essas variedades se estabelecerem no país e facilitar a vida de produtores e interessados no cultivo, para que possam ter material de qualidade onde se informar. 

As frutas vermelhas não são nativas do Brasil e, com exceção do morango, carecem de informações e estudos agronômicos, principalmente no que se refere à adaptações a nossas condições de solo e clima - explica a pesquisadora.

Além disso, graças às qualidades nutricionais das frutas vermelhas, está havendo um maior interesse por elas.

- Em função das recentes publicações mostrando os benefícios trazidos pela ingestão de frutas vermelhas, a busca por elas vêm aumentando, seja o consumo in natura, seja em produtos que as contenham como ingrediente.

De Olho no Campo: O grupo das frutas vermelhas (amora, framboesa, mirtillo e morango) tem despertado interesse e chamado a atenção nos últimos anos. Por que razões essas frutas estão recebendo destaque?
Jaqueline Tezotto: Tais frutas vêm chamando atenção por vários motivos, sendo os principais deles: não são nativas no Brasil e, portanto, precisam de muitas adaptações ao nosso clima e sistema de cultivo; ainda não temos conhecimento suficiente de sua fisiologia e, portanto, não sabemos ao certo todas as práticas culturais. 

Além disso, não apresentam muitas pragas. São frutas altamente perecíveis e exigentes de cuidados pós-colheita; são frutas ricas em nutrientes e muito benéficas a saúde; são frutas atraentes, saborosas e que enriquecem receitas e pratos; são frutas ideais para pequenos e médios produtores. 

De que forma essa visibilidade influencia no processo de pesquisa dessas frutas?
A pesquisa científica deve atender alguns requisitos sendo dois deles: originalidade e relevância científica. No entanto, ela também deve atender ao produtor e ao consumidor, pois se o resultado da pesquisa não puder ser colocado em prática em algum momento, não se justifica o investimento. 

Como o cultivo comercial e a comercialização das frutas vermelhas é relativamente recente no Brasil, existem diversos pontos da cadeia produtiva a serem melhorados e adaptados, o que só é conseguido através da pesquisa.

Qual a importância de se pesquisar as frutas vermelhas e métodos para aumentar a vida útil desses alimentos?
As frutas vermelhas não são nativas do Brasil e, com exceção do morango, que já é cultivado, comercializado e consumido em todo país há muitos anos, as demais frutas carecem de informações e estudos agronômicos, principalmente no que se refere à adaptações a nossas condições de solo e clima. 

Quanto às pesquisas visando aumentar a vida útil, acredito serem fundamentais para o estabelecimento dessas frutas no Brasil, tendo-se em vista que todas são extremamente perecíveis e delicadas, de forma a exigir cuidados especiais e tratamentos pós-colheita. 

Que tecnologias utilizadas nos principais países produtores (Rússia, Sérvia e  Polônia) podem ser aplicadas pelos produtores brasileiros, seja no manejo da planta ou no pós-colheita?
Países como Rússia, Sérvia e Polônia apresentam condições climáticas totalmente diferentes das nossas, a começar pela quantidade de horas de frio acumuladas no inverno. Sendo assim, não podemos replicar técnicas de cultivo e, até mesmo, de conservação dessas regiões no Brasil. 

O principal exemplo que podemos seguir desses países é o uso de cultivares adaptados. Entretanto, todos os demais cuidados com solo, irrigação, adubação, poda e controle de pragas e doenças, devem ser específicos para o local do plantio, o que se tratando de Brasil, irão variar muito de uma região para outra. Outro exemplo a ser seguido é a rápida comercialização do produto colhido, entretanto, esse ponto envolve várias outras questões. 

O comportamento pós-colheita de uma framboesa cultivada em Ibiúna, no Estado de São Paulo, é diferente de uma framboesa cultivada em Vacaria, no Rio Grande do Sul, e ainda mais diferente de uma framboesa da Rússia. 

Entretanto, o princípio dos cuidados pós-colheita é sempre o mesmo, baixar o metabolismo, sendo que, independentemente do local, o uso da baixa temperatura de armazenamento é sempre o mais comum. No Brasil, em função da alta temperatura ambiente, quando comparada a esses países, o uso adequado da cadeia de frio é indispensável.

Após a colheita, estima-se que a framboesa possa ser utilizada para consumo in natura apenas pelas próximas 48 horas. Isso é um grande entrave para a comercialização. O que tem sido para feito evitar isso?
Embora já tenham conhecimento de diversas técnicas pós-colheita que possam retardar a senescência, muito pouco é colocado em prático. As medidas utilizadas até o momento são controle de qualidade da fruta a ser embalada, transporte e comercialização refrigerado e, alguns produtores têm investido um pouco mais em embalagem.

Como sua pesquisa contribui nesse sentido? Quais foram os seis experimentos realizados e o melhor resultado obtido, em termos de viabilidade econômica e prática?  
Meu trabalho de mestrado visou o estudo do comportamento pós-colheita da framboesa em função de diferentes técnicas de conservação: refrigeração, embalagem, 1-metilciclopropeno (1-MCP) e quitosana. 

Para isso, foram realizados seis experimentos. No primeiro, avaliou-se a melhor temperatura para a refrigeração dos frutos, sendo estes armazenados a 0, 5, 10 ou 15ºC e 90±5% de UR, por 12 dias. O segundo experimento constituiu-se da utilização da atmosfera modificada passiva, armazenando os frutos, por 15 dias, em cloreto de polivinila (PVC - 15 μm), polietileno de baixa densidade (PEBD - 10 e 20 μm), polietileno de alta densidade (PEAD), polipropileno (PP - 10 μm), politereftalato de etileno (PET) não perfurados e perfurados (sem modificação de atmosfera). 

No terceiro, os frutos foram expostos ao 1-MCP a 0, 100, 500, 1000 e 2000 nL L-1, por 12 horas e, então, armazenados por 12 dias. No quarto, foi avaliado o comportamento dos frutos em resposta a aplicação pós-colheita de diferentes concentrações de quitosana: 0, 0,5, 1 e 2%, por cinco minutos e, então, armazenados por 15 dias. 

No quinto, estudou-se a aplicação pré-colheita de quitosana, sendo toda a planta aspergida semanalmente, durante três semanas, nas mesmas concentrações do experimento anterior, sendo também armazenados por 12 dias. 

No sexto experimento foi testada a associação das melhores técnicas pós-colheita estudadas nos experimentos anteriores, sendo que a sua ordem de aplicação resultou em diferentes tratamentos. Os frutos foram armazenados por 20 dias. A temperatura de 0ºC foi a mais indicada para a conservação e ampliação da vida útil de framboesas. A modificação da atmosfera resultante do uso do PEBD 10 µm trouxe os melhores resultados na pós-colheita desse fruto. 

A aplicação do 1-MCP aliada à refrigeração não aumentou o período de comercialização da framboesa, mas manteve os frutos tratados com qualidade superior, sendo concentrações entre 1000 a 2000 nL L-1 as mais indicadas. O uso da quitosana aliada à refrigeração foi eficiente na manutenção da qualidade da framboesa, no entanto, apenas a aplicação na pós-colheita ampliou o período de comercialização. 

As melhores concentrações para a pré e pós-colheita foram 2 e 1%, respectivamente. A aplicação conjunta da refrigeração, filme plástico, 1-MCP e quitosana em pós-colheita amplia a vida útil do fruto, não importando a ordem de aplicação dos tratamentos.

E quanto à industrialização da framboesa, para a produção de polpas, gelatinas, geleias entre outros produtos. Como está esse mercado?
Infelizmente, não tenho dados concretos sobre esse mercado, no entanto, acredito que em função do alto preço pago pela framboesa in natura, o produtor encaminha muito pouco para industrialização. Os produtores que tive contato no estado de São Paulo vendem para indústria apenas o que não conseguem comercializar de imediato, porque nesse caso, os frutos podem se congelados e chegam a durar mais de seis meses. 

Ressalta-se que o valor pago por frutos congelados ou para indústria é 20% do valor pago do fruto in natura. Quanto à aceitação do mercado, acredito que seja alta, pois há tempos temos diversos produtos sabor framboesa ou frutas vermelhas. 

Quais áreas do Brasil são mais indicadas para a produção de framboesa, desde aspectos físicos e climáticos a sociais e econômicos, como regiões de turismo rural e próximas a grandes centros?
A framboeseira é uma planta de clima temperado e, portanto, deve ser plantada em regiões com verão relativamente fresco e inverno com temperatura inferior a 7,2°C por, pelo menos, 250 horas. 

Essa exigência é facilmente alcançada em diversas regiões do sul e sudeste do Brasil, que também é o local de maior consumo dessa fruta. Infelizmente, a framboesa ainda é uma fruta cara devendo assim, ser comercializada em butiques de frutas ou grandes redes que atendam um público com maior poder aquisitivo ou que aceite pagar mais por produtos diferenciados. 

No entanto, CEASAs dos grandes centros e, principalmente, a GEAGESP, comercializam grande parte da framboesa cultivada no Brasil e também importam em função da sua crescente demanda. 

Mais informações sobre o tema podem ser encontradas nesta publicação da ESALQ.
O De Olho no campo agradece pela atenção e pelas fotos cedidas por Jaqueline Tezotto.