Especial: Entrevista com Daniel Perotto, um dos responsáveis pelo desenvolvimento da raça de gado Purunã

Gado Purunã, resultado de décadas de pesquisa do Instituto Agronômico do Paraná, reúne o que há de melhor na genética de cada uma das quatro raças formadoras

Paulo Palma Beraldo

O De Olho no Campo fala hoje sobre uma raça de gado produzida na região Sul do Brasil, no estado do Paraná. E, para isso, o entrevistado do dia é o engenheiro agrônomo Daniel Perotto, com mais de 30 anos de experiência em melhoramento genético e reprodução animal na área de bovinos de corte. 

Daniel formou-se em engenharia agronômica na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em 1973. Depois, concluiu um mestrado no Texas em 1976 e fez seu doutorado no Canadá, em 1992, sempre trabalhando com melhoramento animal e na avaliação dos resultados das misturas de raças de bovinos de corte. 

Durante a década de 1980, ele e um grupo de pesquisadores do Instituto Agronômico do Paraná (IAPAR) realizaram cruzamentos entre algumas raças de bovinos como Aberdeen Angus, Charolês, Caracu e Canchim

- Antes de se iniciar a criação de uma raça composta é necessário realizar pesquisas que dêem uma indicação da viabilidade dessa nova raça - explica Daniel Perotto.  

A criação
Um dos aspectos a ser avaliados para a produção de uma nova raça é a existência da heterose, que ocorre quando os filhos se mostram mais produtivos que os pais. Em 1996, como produto de vários cruzamentos e análise de resultados obtidos ao longo dos anos, surgiu o Purunã. O nome do gado é em homenagem à Serra do Purunã, da qual a fazenda do Iapar fica próxima. Outro grande responsável pela criação da raça é o zootecnista José Luís Moletta. 

Daniel conta alguns critérios utilizados para a produção da nova raça, entre eles o tamanho adulto das matrizes. Outro aspecto que contribuiu para a escolha das quatro raças foi a presença de alguns animais na fazenda onde foram realizados os cruzamentos, localizada em Ponta Grossa, no Centro-Sul do estado paranaense. 

- Nossa decisão limitou-se a escolher uma raça que fosse compatível para o cruzamento rotacional com o Charolês. Escolheu-se o Caracu. A outra raça deveria ser compatível para o cruzamento com o Canchim, e para tanto escolhemos o Angus - recorda Daniel. 


Raças formadoras do Purunã. No sentido horário: Caracu, Charolês,Canchim e Aberdeen Angus.
Montagem: Paulo Palma Beraldo/De Olho no Campo
- Não se queria uma raça de grande porte, como o Charolês, nem uma raça de pequeno porte, como o Angus. Outros critérios levados em conta foram a precocidade, a habilidade materna (principalmente produção de leite) e a rusticidade - acrescenta

Daniel explica que o Purunã concentra boas características de cada uma das quatro raças formadoras, como velocidade de ganho de peso e bom rendimento da carcaça do Charolês. A resistência ao carrapato veio do Caracu e a rusticidade é proveniente do Canchim (que é um composto formado por Charolês e zebu) e a precocidade do abate  Aberdeen Angus. 
Confira abaixo a conversa completa. 

De Olho no Campo: Como foram os primeiros passos da história do Purunã no Brasil?
Daniel Perotto: O Purunã começou a ser formado efetivamente em 1996, mas os primeiros cruzamentos entre as raças formadoras datam de 1980, na Estação Experimental Fazenda Modelo em Ponta Grossa-PR. 

A primeira divulgação pública do trabalho aconteceu em 1999, na Exposul, que se realizava no Parque Castelo Branco, região Metropolitana de Curitiba. Após essa divulgação foram distribuídos, em caráter restrito, touros a criadores que se dispuseram a experimentar o Purunã. 

Quase todos esses criadores ainda trabalham com o Purunã nos dias de hoje, o que nos convence cada vez mais do enorme potencial desse gado para a pecuária bovina de corte do Estado do Paraná.


Uma das formas de divulgação da raça é a exposição dos animais em feiras agropecuárias
Foto: Josué Teixeira/Gazeta do Povo-PR
No início, não era objetivo criar uma nova raça, mas em 1995 houve uma mudança de planos. Como foi essa situação? 
O objetivo inicial era avaliar os cruzamentos rotacionais entre Charolês e Caracu e entre Angus e Canchim. Todavia, não é inteiramente correto afirmar-se que não se pretendia criar a raça. 

O fato é que antes de se iniciar a criação de uma raça composta como o Purunã é necessário realizar pesquisas que dêem uma indicação da viabilidade dessa nova raça, pois a utilização de compostos é uma alternativa ao uso de esquemas sistemáticos de cruzamentos. 

Basicamente deve-se pesquisar se as gerações avançadas de animais cruzados retêm níveis de heterose em características de importância econômica de modo a justificar o empreendimento, que é a formação de uma raça nova. 


No caso do projeto de formação do Purunã, inicialmente foram avaliados os esquemas alternados de cruzamentos entre as raças Charolês e Caracu e entre as raças Angus e Canchim, mas sempre com o foco na avaliação da heterose retida nas gerações avançadas de cruzados. Isto pode ser constatado nos trabalhos que publicamos, a maioria acessível via “sites” de busca  

Os resultados mostraram que as gerações avançadas desses cruzamentos (3/4 e 5/8) mantinham bons níveis de heterose para características produtivas tal como ganho de peso em confinamento bem como para características reprodutivas como intervalo entre partos. Só então foi decidido dar um passo adiante e iniciar a formação da população composta.


Foto: Daniel Perotto
Quais os critérios levados em conta para criar uma nova raça voltada para o gado de corte e a escolha das quatro raças (Caracu, Charolês, Aberdeen Angus e Canchim)? 
O principal critério foi o tamanho adulto das matrizes. Não se queria uma raça de grande porte, como o Charolês, nem uma raça de pequeno porte, como o Angus. Outros critérios levados em conta foram a precocidade, a habilidade materna (principalmente produção de leite) e a rusticidade. 

Comparado às raças zebuínas o Purunã é mais precoce, tem melhor ganho de peso, melhor eficiência alimentar em confinamento, melhores características de carcaça e de carne e melhor habilidade materna das matrizes. 

Se a comparação for com as raças européias continentais mais freqüentes no cenário da pecuária de corte paranaense, o Purunã se destaca novamente pela precocidade, mas também pela rusticidade, pela habilidade materna e por um melhor balanço de características como tamanho adulto, produção de leite e precocidade. 

Quando a comparação é com as raças britânicas, o Purunã é mais rústico, tem melhor desenvolvimento muscular e maior resistência e ecto parasitos como o carrapato.

A escolha das raças levou em conta alguns aspectos práticos, principalmente o custo de formação dos plantéis fundadores. O IAPAR já dispunha, na própria Fazenda Modelo, de animais Canchim, que nos foram repassados pela EMBRAPA quando a Unidade Estadual de Pesquisa de Âmbito Estadual (UEPAE Ponta Grossa) foi transferida ao Instituto em 1979, e também de animais Charolês, que foram trazidos da Estação Experimental de Palmas, quando o IAPAR assumiu a função da pesquisa animal em substituição ao Departamento de Produção Animal da Secretaria de Agricultura, em 1975. 

Desse modo, nossa decisão limitou-se a escolher uma raça que pelas características fosse compatível para o cruzamento rotacional com o Charolês. Escolheu-se o Caracu. A outra raça deveria ser compatível para o cruzamento com o Canchim, e para tanto escolhemos o Angus. 

Cabe ressaltar que o Caracu é uma raça de muita história e significação para o Paraná e o Angus é a raça mais pesquisada em cruzamentos no mundo. Ambas traziam para o rebanho as características de precocidade e de habilidade materna que faltam no Charolês e no Canchim.


Foto: Daniel Perotto

A raça é formada pelo cruzamento de quatro animais de cores diferentes, o que faz com que alguns animais nasçam com cores variadas. Existem planos para uniformizar a pelagem da raça?

Existem sim, embora isto não tenha grande importância quanto ao aspecto produtivo. Mas para os criadores, a associação do nome Purunã a uma pelagem uniforme auxilia na aceitação da raça. Para eliminar da população colorações de pelagem extremas como a preta, a branca e a vermelha escura, estamos dando preferência a animais de pelagem baia e vermelha clara. 

Há algum tempo passamos a usar somente reprodutores Red Angus em vez de Aberdeen Angus, para diminuir a freqüência do gene para pelagem preta. 


Matriz com bezerro na Fazenda Modelo, em Ponta Grossa-PR.
Foto: Daniel Perotto
De que forma o IAPAR trabalha para expandir a raça no Paraná e no Brasil?
Existem basicamente três frentes de trabalho. 

Uma é a divulgação da raça feita nas principais exposições e feiras agropecuárias do Estado. Neste ano de 2014 já participamos do Show Rural da COOPAVEL e das exposições de Paranavaí, Umuarama, Londrina, Francisco Beltrão e Laranjeiras do Sul. Até o fim do ano participaremos das exposições de Maringá, Toledo, Ponta Grossa e Cascavel.

A outra frente de trabalho é a venda de reprodutores, de sêmen e de matrizes para criadores interessados. Para esta produção, o IAPAR possui na Estação Experimental Fazenda Modelo um rebanho de aproximadamente 700 matrizes. 

Além disso, a Instituição está formando outros dois rebanhos, sendo um de 50 matrizes em Santa Tereza do Oeste e outro de 100 matrizes em Paranavaí. Fora do IAPAR há mais de 20 criadores que juntos possuem mais de 1100 animais entre puros e cruzados em processo de absorção para o Purunã. 

E a terceira atividade é a divulgação de criadores, que pelo estado adiantado de formação do Purunã, já podem disponibilizar para o mercado touros e matrizes de seus plantéis, o que deverá em breve acelerar a expansão do rebanho no Estado.

Além disso, dentro das possibilidades, temos acompanhado todos esses criadores que iniciaram a criação do Purunã, dando-lhes assistência técnica e orientações quanto à escrituração zootécnica e a coleta de dados essenciais para a seleção e aprimoramento da raça. 


Matriz Purunã na Fazenda Modelo, em Ponta Grossa-PR.
Existem aproximadamente 700 matrizes na propriedade e há venda de animais e sêmen para interessados.
Foto: Daniel Perotto
Que recado o senhor daria para um produtor que está com dúvidas sobre investir na raça Purunã? Que benefícios ele terá?
Em todos os empreendimentos de sucesso, os maiores beneficiados são aqueles que chegam primeiro. Nós acreditamos que o Purunã tem potencial para se tornar a raça de corte mais importante do Estado porque atende a uma das principais exigências do mercado que é a padronização das carcaças.

Assim, aqueles que entrarem na criação do Purunã hoje serão os vendedores de material genético amanhã. E a venda de genética é uma opção para aumentar e rentabilidade da fazenda além da produção de animais para o abate.

O Purunã é frequentemente exposto em feiras agropecuárias, como a ExpoLondrina. Como é a reação dos visitantes ao se deparar com a nova raça? 
As exposições agropecuárias já não desempenham o papel que desempenharam no passado para a divulgação, comercialização e expansão das raças. Hoje existem outros canais de divulgação e de vendas como os programas de TV e os leilões virtuais. 

Mesmo assim, nossas participações em exposições têm nos trazido retornos surpreendentes tanto em termos de divulgação do nosso trabalho como em termos de adesão de produtores à criação do Purunã.

Por esta razão, em que pesem os altos custos de participação nessas exposições, temos procurado marcar presença porque para nós a adesão de cada novo criador representa mais um passo rumo à concretização do nosso objetivo, que é transformar o Purunã na raça mais importante do Estado. 

O De Olho no Campo agradece Daniel Perotto pela atenção e pelas fotos cedidas.
Créditos da primeira foto - Gelson Bampi/Agência Fiep