Crônica: Todo dia ele faz tudo sempre diferente...
Um dia com o experiente jornalista Antônio Reche Medrano, apresentador do programa Mercado Futuro
Texto e fotos: Paulo Palma Beraldo
Texto e fotos: Paulo Palma Beraldo
Naquela quinta-feira ensolarada na maior cidade do Brasil, Antônio Reche revelou:
- Eu queria escrever um livro, sabia?
- Eu queria escrever um livro, sabia?
Enquanto cortava em pedaços um bolo de abacaxi comprado numa padaria paulistana, o jornalista que apresenta um programa diário no Canal do Boi explica:
- Eu ia escrever sobre a minha experiência na profissão, o que eu aprendi e vivi. Mas para escrever um livro precisa de uma rotina, uma disciplina que eu não tenho agora. Uma dedicação grande, quatro a cinco horas por dia só fazendo isso - diz.
- Esse bolo tá bom viu, você não quer um pouco? Para falar a verdade, é difícil comprar algo que não seja bom nessas padarias aqui.
- Eu ia escrever sobre a minha experiência na profissão, o que eu aprendi e vivi. Mas para escrever um livro precisa de uma rotina, uma disciplina que eu não tenho agora. Uma dedicação grande, quatro a cinco horas por dia só fazendo isso - diz.
- Esse bolo tá bom viu, você não quer um pouco? Para falar a verdade, é difícil comprar algo que não seja bom nessas padarias aqui.
Terminou o café da manhã, trocou a roupa de casa pela camisa branca e a calça de terno. Foi escolher uma gravata.
- Eu fico enjoado dessas gravatas, sabia? Eu gostava quando podia escolher as roupas lá na TV. Assim a gente não precisa ir já 'fantasiado de casa' - conta, enquanto termina de abotoar o terno preto.
- Eu fico enjoado dessas gravatas, sabia? Eu gostava quando podia escolher as roupas lá na TV. Assim a gente não precisa ir já 'fantasiado de casa' - conta, enquanto termina de abotoar o terno preto.
Saímos do prédio e vamos para a avenida tomar um táxi. Andando pelas ruas do Itaim, bairro onde mora, algumas curiosidades:
- Você sabe de onde veio essa história de Itaim Bibi, né? Esse bairro, como a maioria aqui, era formado por chácaras. E o dono dessa chácara foi um dos primeiros a ter carro em São Paulo. Então ele passava pelos amigos e buzinava: bibi, bibi, bibi... Daí ele virou o seu Bibi. E pegou.
- Você sabe de onde veio essa história de Itaim Bibi, né? Esse bairro, como a maioria aqui, era formado por chácaras. E o dono dessa chácara foi um dos primeiros a ter carro em São Paulo. Então ele passava pelos amigos e buzinava: bibi, bibi, bibi... Daí ele virou o seu Bibi. E pegou.
Eu pergunto se ele imagina quantos táxis existem na capital paulista, impressionado com o número de carros brancos que passam a cada minuto. “Dizem que são uns 30 mil. Não sei, talvez até mais”. “Bom dia, pode tocar lá pra Paulista”. No caminho, construções e rostos se misturam na cidade onde moram 14 milhões de pessoas. 14 milhões! Eu estava impressionado com tudo o que via. “É engraçado, a gente mora aqui e acaba não prestando atenção nas coisas, nos prédios lindos que temos”, reflete Reche, vendo minha admiração.
Depois, é hora do metrô. “Uma das coisas boas da minha idade (61 anos) é não ter que pagar mais. E poder sentar”, diz ele se dirigindo a um banco desocupado. Ao chegar ao centro histórico, região de belíssimos prédios antigos, pichações e muito, muito movimento, é hora de deixar as coisas na Bolsa de Valores e tomar um café. “Tem uma padaria aqui desde 1850, de uns portugueses. Trata-se da tradicional doçaria (como escrevem os portugueses) Casa Matilde, onde você encontra os melhores doces daquele país. Vale muito a pena conhecer. Quer ir lá?”. Fomos.
Ao chegar à padaria, o pessoal logo reconhece:
- Fala, Reche! Pô, num gostei do que você falou ontem no programa, hein!?
Essas atitudes são comuns, diz ele. “É muito engraçado, às vezes alguém que eu nem imagino quem é vem tratar a gente na maior intimidade. Mas TV é isso, né? Você entra na sala da casa da pessoa, mexe com os sentimentos dela. É emocionante”. Ele, aliás, nunca pensou em fazer televisão. “Simplesmente aconteceu. Me colocaram lá, fizeram um teste, acharam bom e estou até hoje”, fala, com a simplicidade característica.
Chegamos mais cedo para visitar alguns locais. “Turistar”. Tentamos ir ao prédio do Banespa, Banco do Estado de São Paulo, vendido para o espanhol Santander, “que tem a melhor vista de São Paulo”, mas não deu. A uns 100 metros dali, o Edifício Martinelli, o primeiro arranha-céu da capital paulista foi o segundo destino.
- Podemos entrar? - pergunto.
- Daqui cinco minutos tem a última visita do dia. Correm que dá tempo - diz o simpático relações-públicas do prédio, o Cabral.
- Já recebemos mais de 80 mil pessoas aqui no Martinelli. Escrevam seus nomes ali no caderno para a gente registrar e podem ir para o elevador - continua Cabral.
- Escreve pra mim aí, Paulo. Tô sem óculos - pede Antônio Reche.
Antônio Reche no topo do Edifício Martinelli, em São Paulo. Foto: Paulo Palma Beraldo |
Antes disso, cabe contar um pouco a história do Martinelli. Esse prédio foi construído lá nos distantes anos 1920 e foi o primeiro arranha-céu do país. Na época, ninguém acreditava que aquilo fosse “parar em pé”. Pessoas que passavam pela região acreditavam que o edifício iria cair.
Para provar a segurança do prédio, o dono do Martinelli e sua família construíram uma casa no topo do prédio e passaram a morar lá, a 105 metros de altura. Que vista devia ser.
Para provar a segurança do prédio, o dono do Martinelli e sua família construíram uma casa no topo do prédio e passaram a morar lá, a 105 metros de altura. Que vista devia ser.
Subimos em poucos segundos.
- Você já veio aqui, Reche? - pergunto.
- Nunca. É verdade, viu. A gente mora aqui a vida toda e não dá valor para as coisas que a gente tem, nessa correria. Esse edifício é realmente fantástico - confessa.
Reche acorda todos os dias às 6:30. “Leio o Valor e o Estadão ou a Folha, depende de quem tem boas manchetes. Aí eu já tenho bastante assunto para o programa”. Na bolsa, piadas e risadas surgem quando ele aparece. “Bom dia, bom dia, bom dia”, diz ele passando pelas mesas espalhadas ao longo do prédio, localizado no centro histórico de São Paulo.
Já passou por dezenas de cidades e vivenciou experiências inesquecíveis. De zelador de prédio em Londres até se tornar apresentador de TV em São Paulo foi um longo caminho. “Podem falar o que quiserem de mim, mas eu sempre trabalhei. Desde cedo até hoje”. Histórias não faltam. Na capital da Inglaterra foi zelador e guarda no coração experiências desses tempos. “Cuidava de um prédio lá e tinha um indiano que sempre mandava eu guardar as coisas em lugares diferentes de onde eu guardava. Aquele sotaque é muito bom”, diz ele, irônico, entre risos.
Fala de temas como literatura russa e japonesa até o mercado de soja, algodão e bois. Como coisas tão diferentes podem conviver, eu questiono. A resposta é simples: “Eu não sou só aquilo da TV não, cara!”. E não é mesmo. Mais de 400 discos de bandas e outros 600 livros estão espalhados pelo seu apartamento. Não sem orgulho, ele recorda que já viu shows ao vivo de grupos como The Rolling Stones, Pink Floyd, The Who e outros mais ou menos famosos. “Rainbow era um teatro famoso em Londres, onde assistiu shows de Miles Davis, Chuck Berry, entre outros.
Reche também morou um ano em Lorena, SP, quando trabalhava na fábrica da empresa alemã BASF, no cargo de gerente de comunicação. “Eu tinha um mural onde eu colava um jornal lá todos os dias. Outro ritmo, bem diferente de redação de jornal, mas muito bom. Foi uma experiência profissional boa”.
Já trabalhou na Revista Manchete, no Jornal da Tarde, e em muitos outros veículos. “Na Manchete tinha uma coisa engraçada: se você ficasse um ano, não era demitido mais. Tinha esse prazo de validade”, brinca. E é crítico quanto ao jornalismo nacional: “O principal problema do jornalismo brasileiro hoje é a falta de ética. Na minha opinião, a principal matéria que as universidades tinham que ensinar era essa: ética”.
- Olá. Começa agora mais um programa Mercado Futuro. O preço da soja...
Assim começaram as tardes de segunda à sexta nos últimos 12 anos de Antônio Reche.
Que continuem sendo assim.
Que continuem sendo assim.