Zebu: boi da terra sagrada

O que indianos, alemães, zoológicos e navegações têm a ver com a pecuária brasileira?

Paulo Palma Beraldo

Em 1870, aportava no Brasil um animal que iria alterar para sempre os rumos do país. Tanto em relação à sua cultura quanto à economia. Era o Zebu, originário da Índia. De lá para cá, milhares de animais cruzaram os mares e ajudaram, ao lado dos criadores, a transformar o Brasil no maior exportador de carne do mundo. Oito em cada dez bois no Brasil têm sangue zebuíno. Em números, são mais de 150 milhões de animais graças à fácil adaptação destes ao clima brasileiro. A reportagem a seguir vai contar um pouco mais sobre essa trajetória de histórias fantásticas e pouco conhecidas pelos brasileiros. 

Há 150 anos, se você fosse a um zoológico, entre girafas, elefantes, leões e tigres, encontraria também um animal que hoje em dia pode ser visto ao longo das estradas ou na televisão: um touro zebuíno. Por ser maior e mais rústico que os conhecidos bois europeus da época, donos de zoológicos compravam esses animais de origem asiática, motivo de curiosidade entre os visitantes. Manoel Ubelhart Lemgruber foi um desses visitantes. 

Ao passear por um zoológico próximo à cidade germânica de Hamburgo, no ano de 1870, Manoel impressionou-se com os animais expostos da raça Nelore e resolveu trazer alguns para o Brasil. Este era um dos zoológicos que recebiam animais da empresa alemã de Carl Hagenbeck, que organizava expedições para a captura de bichos exóticos por todo o planeta.

Os animais trazidos por Manoel chegaram no mesmo ano e ajudaram divulgar a raça Nelore no Brasil. Hagenbeck tornou-se o maior exportador de animais do mundo e relaciona-se com a história da pecuária brasileira por ter enviado, entre os anos de 1880 e 1895, mais de duzentos reprodutores zebuínos. 

Animal de trabalho

O escritor Rinaldo dos Santos já publicou mais de 30 livros sobre os zebus. E no ano de 2013 lançou “Zebu: a pecuária sustentável”, uma das maiores obras já escritas (970 páginas) sobre o tema, com aproximadamente 2.000 fotografias e disponível em três línguas. “O livro trata do papel do Brasil diante do mundo e do futuro”, explica Rinaldo.

Segundo o escritor, um dos maiores usos do Zebu foi como animal de trabalho. "Essa utilização compreenderia o período que vai do ano de 1870 e chegaria até princípios de 1960”, diz ele. Desde o descobrimento do Brasil, explica Rinaldo, os bovinos serviram como desbravadores de novas terras. Ajudaram a criar vilarejos que hoje são cidades. "O Zebu continua desbravando novos territórios, pois - antes da agricultura - sempre vem a pecuária", diz.

Na cidade do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, a criação de gado era feita com animais de origem europeia, das raças Durham, Hereford, Limousin, Simental, Jersey, entre outras. Esses animais sofriam muito com os carrapatos, o que praticamente não acontecia com os recém-chegados zebuínos. 

A “profissionalização”

A partir de 1870, após perceberem a viabilidade econômica de cruzar zebus com gados de origem europeia, pecuaristas passaram a importar gado zebuíno para criá-lo no Brasil. Muito disso ocorreu por uma particularidade dos zebus, que Rinaldo conta melhor. “O Zebu era ideal para ser manejado nas regiões montanhosas do Rio de Janeiro, no transporte de grandes carroções de café, além de produzir leite e carne - levando às primeiras escriturações de rendimento”, relata o escritor. 

O Rio de Janeiro teve várias seleções de Zebu: Barão do Paraná, Barão de Duas Barras, Família Lutterbach, Família João de Abreu, etc. - todos antes de 1900, já praticando uma escrita genealógica e de produção.

Em 1898, um momento histórico

Neste ano, pela primeira vez um brasileiro vai à Índia com o objetivo de trazer animais para o Brasil. Teófilo de Godoy saiu de Niterói-RJ e deixou para trás o Brasil e suas raízes; navegou rumo ao seu sonho sob o sol escaldante e sob chuvas trepidantes, e chegou a Bordeaux, na França. Passou por Suíça e Itália até chegar ao Egito. De lá, enfim, conseguiu chegar ao tão sonhado território: a Índia. 

Após passar por aventuras e perigos e ter tido necessidade de empunhar seu revólver em algumas ocasiões para impor respeito, conseguiu os animais desejados (seis touros e duas vacas) e cruzou de volta os mares. Veio de Bombaim, na Índia, a Santos em um navio a vapor. Assim entrou para a história da pecuária nacional. 

Entre os anos de 1898 e 1921, grandes lotes desembarcaram no Brasil. A exploração do gado zebuíno passou a ser comercial e industrial. Alguns lotes da Índia chegavam com mais de 100 animais e, no total, aportaram ao Brasil mais de 5.000 cabeças de gado.

Trajetória de Teófilo de Godoy, que partiu do Brasil e aportou na Índia em
busca de animais para incrementar a pecuária brasileira. 
Uberaba, a estrela do sertão

No ano de 1889, chegava a Uberaba o primeiro zebuíno, vindo do Rio de Janeiro. Tinha o nome de seu proprietário: Lontra. Hoje, Uberaba tem um monumento a esse animal. “Foi fácil perceber que esse tipo de gado era muito rústico e dava lucros no sertão. Era a ferramenta que faltava e que podia interiorizar o desenvolvimento”, ressalta o escritor Rinaldo dos Santos.

Em pouco tempo, Uberaba passou a ser um dos principais centros de gado de elite no Brasil. Sua localização ajudou: está a uma distância aproximada de 500 quilômetros de capitais como Belo Horizonte, Brasília, Goiânia e São Paulo, importantes mercados consumidores de carne e leite.

A cidade de Uberaba tem mais de 300 mil habitantes e é sede, desde o ano de 1934, da Expozebu, a maior feira de pecuária zebuína do planeta.


“O que eu faço é descobrir uma história, pesquisar e transformar tudo isso em vídeo”

Quando se fala da pecuária zebuína, histórias não faltam. Wagner Indaiá viveu uma delas. Mesmo antes de chegar o domingo, Wagner já tinha sua manhã organizada na cabeça: acordar, ir para a missa e depois para o futebol. Mas com um detalhe, que ele relembra: “quando terminava a missa, a turma trocava de roupa e ia para um campo de terra batida. Eu também ia, mas não sem antes assistir o Globo Rural ao lado do meu pai”. 

Wagner viveu sua infância em Dores de Indaiá-MG, “cidade calma e pequena” e se recorda com carinho desse período. “Eu me interessava muito em ver aquelas histórias de sertanejos, aquele tanto de gado tocado na estrada e tinha ainda aquela música de abertura do programa que me marcou muito”. Wagner conseguiu transformar seu hábito em profissão: formou-se em jornalismo, em Uberaba. Lá, viveu a atmosfera dos Zebus e passou a ler a história das primeiras importações dos animais.

Em 2013, Wagner produziu o documentário “A Saga do Boi de Cupim”, que conta a trajetória do Zebu, desde as viagens da Índia até o desenvolvimento da pecuária nacional atual. “Tive a ideia de produzir uma série sobre o nosso sistema de produção de carne contando as histórias das primeiras aventuras dos pecuaristas brasileiros com o Zebu”, explica Wagner. 

O jornalista queria que as histórias chegassem também ao cidadão que não vive no campo e nem do campo. “Queria que eles soubessem que todo o animal que tem uma corcova e que pasta capim é um Zebu. Contar que estes animais representaram o avanço da pecuária nacional”.


Passado e presente se misturam

Os anos passaram e a importância do zebu cresceu. O veterinário Sebastião Costa Guedes, diretor de Sanidade Animal do Conselho Nacional da Pecuária de Corte (CNPC), é enfático ao dizer: "Sem o Zebu nossa pecuária seria menor”. Ele acrescenta que "não existe nenhum país com esta grandeza de rebanho em condições extensivas e com esta genética tão bem adaptada aos cerrados tropicais”.

Sebastião Guedes cita alguns dados relevantes sobre a importância da pecuária no Brasil, o maior exportador de carne bovina do mundo. Segundo ele, cada brasileiro come, em média, 43 quilos de carne bovina cada ano. E acrescenta: “exportamos anualmente mais de 6,6 bilhões de dólares e cerca de 2,5 bilhões de dólares em couro. Empregamos mais de oito milhões de pessoas no setor”. 

Sebastião Guedes explica que a tecnologia possibilita a união entre preservação e produção, aumentando a renda do produtor. E lembra do projeto Pró-Genética, da Associação Brasileira dos Criadores de Zebu (ABCZ), voltado para a melhoria do padrão zootécnico dos pequenos e médios produtores e também da agricultura familiar. 

A história dos Zebus foi essencial para o desenvolvimento da pecuária brasileira. Conforme lembra o historiador Rinaldo dos Santos, basta voltar na história do Brasil antes da expansão do Zebu e ver que o gado ajudou a gerar capital para a modernização de cidades, indústrias e regiões. Olhando para trás, vemos que a coragem dos pioneiros criadores de Zebu deu origem a essa grandiosa história que traz consigo o desenvolvimento de um país.